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1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

Histórias com gente dentro

   Já vos falei aqui do Sr. A., um dos nossos idosos mais queridos e uma das pessoas com quem mais gosto de conversar. O que eu ainda não vos contei acerca do Sr. A., é que, nos seus 95 anos fabulosos, dispensou a empregada que a filha teimava em ter lá em casa duas vezes por semana, e assumiu o próprio a total gestão da sua casa, incluíndo a limpeza completa, profunda e diária da mesma. Acrescenta ele que, não só está perfeitamente capaz de fazer todas as tarefas domésticas, como as mesmas lhe permitem fazer ginástica e estimular os movimentos (ai se nós pensassemos assim nos dias de limpeza era tão bom!).

   E que casa impecável ele tem (confesso que sempre julguei que era uma empregada que a limpava)! No dia em que descobri isto - e apesar de o conhecer há 3 anos, a cada visita descubro algo novo sobre o Sr. A. - ofereceu-me uma irrepreensível lição de como manter uma casa impecavelmente asseada, perfumada e sem qualquer sinal de pó, mesmo nos locais onde até eu o deixaria escapar - e sim, eu fui comprovar a sua ausência.

   Perante esta revelação, cada vez mais compreendo as suas palavras de revolta contra "aqueles velhos que passam os dias afundados numa cadeira nos centros de dia ou em casa". Quem me derá que o caso do Sr. A. não fosse uma excepção à regra e que mais dos meus idosos pensassem (e se mexessem) assim.

   Quando for grande quer ser assim!

FOMO

   «Aqui para nós, que ninguém nos ouve, tenho a sensação de que o nosso mundinho anda histérico. Quando digo "o nosso mundinho", quero dizer a mediania da sociedade urbana, falida ou apenas remediada, que ainda assim não dispensa o smartphone, a ligação permanente à net, as redes sociais (...)»

 

   Foi ao ler um artigo de opinião de Pedro Rolo Duarte na revista LuxWoman de Março que pela primeira vez ouvi falar deste conceito ou expressão, que achei interessantíssima e completamente adequada aos dias de hoje. Então, FOMO significa "fear of missing out" e refere-se ao medo de estar a perder qualquer coisa online, o medo de estar fora da rede ou simplesmente de estar out. Basicamente, a ideia é a de que actualmente a maioria dos seres humanos não é capaz de estar num local "sem rede", sem qualquer acesso a tecnologias que lhe permitam sair do seu mundo e entrar no mundo (virtual) dos outros, como se assim estivessem a perder algo absolutamente relevante e fundamental.

   Loucura? Não me parece. Parece-me sim um termo e uma ideia completamente pertinentes e ao mesmo tempo preocupantes. FOMO poderá mesmo tornar-se uma nova espécie de patologia dos tempos modernos, porque a realidade é que nos tornamos cada vez mais dependentes de qualquer coisa que nos ponha em contacto (virtual) com algo, seja esse algo uma pessoa, um pedido de amizade, um like, um comentário, um post, uma fotografia...ou o que quer que seja que nos mostre que (ainda que virtualmente) não estamos sozinhos no mundo...

   E para resumir esta epidemia de FOMO, nada melhor do que isto:

«Haver quem se tenha dado ao trabalho de criar uma sigla que traduz Fear of Missing Out diz muito sobre o mundo a que chegámos. Saudável não é. Civilizado, menos. Dependente, muito. Preso? Absolutamente. Não são eles, os condenados em tribunal - somos nós, os livres, que estamos afinal presos a uma pulseira electrónica. Amarrada às nossas vidas. Poderia haver maior paradoxo e, ao mesmo tempo, melhor imagem do tempo que vivemos?».

   Eu acho que não. Vale a pena desligarmo-nos por uns instantes para pensarmos nisto...

Em (há) dias assim...

«Em dias assim não me salvo nem sou boa companhia. Gosto de saber que os amigos estão longe, que os inimigos não me encontram, e que nem uns nem outros me virão reclamar as provas da amizade e do ódio que são a moeda do nosso comércio. E se alguma coisa desejo realmente nestas ocasiões, é encontrar as palavras mínimas, brevíssimas, as onomatopeias, se possível, que me expliquem o mundo desde o começo.»

José Saramago, "A Bagagem do Viajante"

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   Há dias assim. Eu tenho muitos dias assim. Ou melhor, muitos finais de dia assim. E em dias assim não aptece nada nem ninguém, porque nada nem ninguém nos basta para eliminar aquele estranho vazio, ou peso, nem sei, que nos possui e nos deixa exaustos de tudo, até de nós. Tudo é suficiente para nos perturbar e produzir a mais simples das palavras parece uma batalha sobrehumana que não estamos capazes de travar nesse momento. Deixamos de falar, para nos expressarmos sobre a forma de grunhos e deixamos até de pensar, vivendo momentaneamente em modo piloto automático e, de preferência, em silêncio e sós. Porque são o silêncio e a solidão que, nesses dias, nos curam.

   Há dias assim...

«O Jogo do Anjo», Carlos Ruiz Zafón

Na Barcelona turbulenta dos anos 20, um jovem escritor obcecado com um amor impossível recebe de um misterioso editor a proposta para escrever um livro como nunca existiu a troco de uma fortuna e, talvez, muito mais.

Com deslumbrante estilo e impecável precisão narrativa, o autor de A Sombra do Vento transporta-nos de novo para a Barcelona do Cemitério dos Livros Esquecidos, para nos oferecer uma aventura de intriga, romance e tragédia, através de um labirinto de segredos onde o fascínio pelos livros, a paixão e a amizade se conjugam num relato magistral.

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   Diz que este é um dos escritores mais vendidos em todo o mundo. Depois de ler "A sombra do vento" e agora este "Jogo do Anjo", não fico convencida nem rendida a Zafón. Depois deste livro fico com a mesma sensação com que fiquei ao ler o anterior: a história vai-se arrastando, demoro algumas páginas a entrar na vida das personagens (mais do que deveria num bom livro) e vou andando ali sem grandes emoções ou surpresas, com momentos um tanto bizarros e sem explicação, para terminarmos com aquela sensação de que não nos envolvemos verdadeiramente e que não fica pena em ler a última página.

   Continuo a não ser fã de Zafón...

Histórias com gente dentro

   Parece que hoje em dia é prática comum enviar doentes terminais para casa. Pessoalmente não acho a melhor das soluções. Não só porque pelo estado em que as pessoas se encontram poderá exigir determinados cuidados mais ou menos urgentes que em casa não se poderão prestar de forma tão eficiente, porque parece que nada é suficiente para aliviar o sofrimento da pessoa e porque para quem cuida da pessoa o sofrimento parece ser mil vezes superior, pela sensação de impotência e de que não estão a ajudar em nada os seus familiares. 

   Nestes casos, é comum alguns familiares desabafarem um envergonhado e temido "mas porquê que deus nao se lembra dela e não o leva?", seguido de sentimentos de remorso incríveis e mil e um pedidos de desculpa por tamanho egoísmo.  E é aqui que nós,  que somos profissionais, mas acima de tudo que somos seres humanos capazes de avaliar aquela situação de forma isenta e sem emoções à mistura, devemos ter a coragem e a dignidade de lhes dizermos e explicarmos que colocar essa questão ou fazer esse pedido não é nunca um manifestação de egoísmo,  mas acima de tudo e sempre um dos maiores sinais de amor e respeito pela dignidade humana. Porque quem ama os seus só pode preferir vê-los partir mas sabê-los em paz, do que tê-lospor perto numa condição de sofrimento e dor que poderá ser tudo menos viver. 

Missão cumprida!

   O meu objectivo era correr 5km sem parar. Totalmente atingido. E foi mesmo aqui que tivede parar para recuperar e hidratar (estava um calorzinho magnífico e eu a recuperar de uma semana de uma valente crise de rinite), caminhei a passo apressado cerca de 1km e depois non stop até à meta, altura em que estive quase quase a parar de novo, já que o último quilómetro era de subida, nada fácil para quem acha que correr numa descida já é complicadissimo, mas o meu companheiro de corrida, o meu Mr. Big, não me deixou desistir. É por isso que para mim correr nunca pode ser uma actividade solitária,  como não gosto, facilmente desisto. Com alguém a puxar por mim e uns quantos milhares a passarem por mim as pernas ficam mais leves.  

   Terminei cansada mas bastante satisfeita.  Primeira corrida a sério da minha vida, sem qualquer treino de corrida prévio e consegui fazer mais de 6km em cerca de 1h. Não serviu para ganhar o bichinho da corrida, mas serviu para me motivar para outras aventuras, cada vez mais longas. 

Histórias com gente dentro (ou das coisas que eu não percebo)

   As desculpas que os filhos arranjam para não estarem presentes na vida dos pais e as desculpas que os pais arranjam para a ausência dos filhos.   

  Ou chamando as coisas pelos nomes justos, as desculpas para o desinteresse total de um ser humano por ouro que, vai-se a saber, até deveriam ser as pessoas mais importantes das suas vidas. 

   A solidão dos idosos já foi tema mais que abordado por aqui. Perturba-me, é certo, mas os dias ensinaram-me a lidar com isto. O que parra mim não é tão fácil digerir é o abandono dos nossos idosos por aqueles filhos que nunca estão mas que aparecem de vez em quando, num momento de crise ou qunado pressionados por alguma entidade, para nos dizerem coisas como "eu só não faço mais porque eles (pais) não deixam...não vale a pena, não dá,  têm um feitio que a doutora nem imagina". 

   Efectivamente não imagino. Mas o que eu não preciso de imaginar são as condições desumanas em que esses maus feitios vivem, porque essas são em reais e estão ali à minha frente. E não me peçam para compreender que é dos feitios, que são pessoas cheias de manias, que são as vidas muito ocupadas, que é o trabalho e a saúde e o mais que lhes valha. É o desinteresse. Ponto. É sermos filhos e esquecermos que o somos, esquecermos que, algures, o nosso pai e/ou a nossa mãe estão abandonados e entregues a si próprios, a viverem sabe-se lá como e à custa de quê. Perante estes filhos, que não o são verdadeiramente,  eu tenho sempre de engulir a mesma pergunta/afirmação/indignação: "desculpe lá, mas eles não são seus pais?". Não deveria isto, que já é tudo, ser suficiente para deslocar montanhas? 

   E como se não bastasse, temos ainda os próprios idosos, os pais, a desculparem estas ausências com as mesmas desculpas usadas pelos filhos. E aqui, mais uma vez, lá tenho eu de engolir um "desculpe lá,  mas vocês não são pais?". Quantas vezes aqueles pais anularam as suas vidas para estarem presentes na vida dos filhos, para mudarem uma fralda, para passarem uma noite em branco à espera que a febre baixasse, para terem o que lhes dar de comer e vestir... quanto sacrifício não terão eles feito para agora os filhos serem essas pessoas cheias de afazares e cargos importantes que nem lhes deixam tempo para visitar quem lhes deu o mundo? 

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