Do coração
Fria. Durona. Casca grossa. Distante. Desligada. Mau feitio. São tudo adjectivos pouco simpáticos que quem me conhece me poderia atribuir em algum momento da minha vida. E eu concordo. É verdade que é isto que eu sou. Ou posso parecer ser, o que vai dar ao mesmo. Mas, e pasmem-se agora, é precisamente isto que faz de mim humana. Tenho apenas 30 anos e longe de mim querer parecer um poço de sabedoria, mas a vida e a minha profissão têm-me ensinado que o importante é darmos o máximo de nós em tudo o que fazemos e somos, poupando sempre o nosso coração. Poupando-nos. O meu coração não é do tamanho do mundo, mas tem o tamanho suficiente para abrigar os meus para a vida e para receber outros tantos de passagem cujas vidas se cruzam comigo, seja por necessidade ou por diversão. Nunca me entrego totalmente ninguém mas não me importo de dar boleia a quem se sente perdido. Gosto de tocar as vidas dos outros sem que toquem na minha. Sou exímia na aplicação de mecanismos emocionais de autodefesa. E só assim se que consegue sobreviver e ser feliz nesta vida. Eu. Eu. Eu. Porque sempre que eu for inteira vou ser capaz de marcar, seja de que forma for, a vida dos outros. Porque sempre que eu me sentir feliz vou ser capaz de passar a minha felicidade à vida e quem sabe à tristeza de alguém. Sou fria. Sou durona. Sou casca grossa. Sou desligada. Tenho mau feitio. Tenho um coração que parece de pedra. E de facto é. Porque é difícil de quebrar e ainda mais difícil de alugar. Um coração que é tão orgulhoso é tão duro, que verga mas não quebra, mas que está cheio, a rebentar, de vontade de fazer da vida de tantos alguém um lugar melhor. Tudo o resto é o jeito dele sobreviver. Porque para viver não basta que ele bata. É preciso que ele sinta. E nisso ele é perfeito e bom rapaz.