Sai da fossa
Se estás na merda, se alguém te magoou, se alguém te abandonou, se perdeste alguém que amas: não caias na treta de que é importante digerires a cena, na bullshit de que é decisivo que assimiles o que aconteceu antes de avançares. Manda encher de moscas os que te dizem isso. E sai. Sai da fossa. Lava-te bem lavadinho, veste-te bem vestidinho. E sai. Sai para a rua, para o mundo. Sai para a vida. Vai viver – antes de que sejas tu o que se perdeu e não aquele que ficou sem aquele ou aquela que se perdeu. Vai. Sai de ti, sai para lá – e sai de cá. Cá, o buraco, a depressão, o “chora que faz bem”, o “sofrer é bom para crescer” que vão dar banho ao cão. Eles que vão sofrer e que te deixem abdicar de sofrer como eles julgam que deves sofrer. Sofrer é sempre – por mais acompanhado que estejas, por mais por fora que estejas – a sós. És tu e o teu sofrimento. Tu e o que te dói. E o que te dói tem de ser, em ti, suportável: vivível. E o vivível, em alguns momentos, exige movimento: exige manobras de diversão. Exige que mandes bugiar a fossa, a necessidade de reflexão – e que te obrigues a estar em pressão: em de pressão. De pressão de agires, de fazeres, de correres, de saltares, de dançares, de cantares. Caga na fossa, na depressão, na música que te lembra o que foi bom e já não existe, nas memórias, nas fotografias, nas lágrimas que não param de correr. Corre, isso sim, tu. Corre para fora de ti – mesmo que nunca deixes de, com isso, mergulhares em ti. Esquece os paleios das psicochachadas da auto-descoberta, da auto-elevação, da importância das pedras no caminho. As pedras no teu caminho servem, mais do que para fazer um castelo, para atirares aos cabrões ou cabronas que te queriam ver fechado numa cave a chorar que nem um bebé abandonado.
Pedro Chagas Freitas, "Eu Sou Deus"