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1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

Elogio da doença (mas também podia ser "Das coisas que me fazem mesmo muita confusão")

   Juntem um grupo de pessoas: conhecidos, amigos, familiares, o que quiserem. Deixem-nos conviver durante algum tempo e atentem nos assuntos que vêm à baila. Qual é aquele que NUNCA falha? Qual é, qual é? Isso mesmo, boa! Esta era fácil! Doença, doenças e doencinhas. As nossas, as dos nossos, as dos outros e as dos que não conhecemos mas ouvimos falar. 

   Quem é que consegui ter um Natal, uma passagem de ano ou um almoço de família sem que se falasse de alguma doença? Se há alguém que possa pôr o dedo no ar que fique já a saber que o invejo com todas as forças do meu ser! Falar de doenças tende a tornar-se uma epidemia maior que a própria doença. E o que eu gostava mesmo de perceber é de onde vem esta necessidade do ser humano em relembrar, reviver e repetir o que de negativo há na vida. É que fazendo assim uma análise rápida, a primeira justificação que encontro é a de o ser humano gostar mesmo muito de ser "o coitadinho" da mesa, ao ponto de se gerarem verdadeiras batalhas pela doença mais grave ou pelo sofrimento mais desumano.

   É simples: não percebo, não concordo, não tenho paciência, não alimento. E a minha explicação é simples: o que é que é importante nesta vida: a doença ou a saúde? Devemos estar gratos pela doença ou pela saúde? O que é melhor de cantar aos sete ventos: que estamos ou estivemos doentes ou que temos saúde (se bem que, enquanto houver saúde que nos permita falar incansavelmente da doença é porque a coisa não está tão má assim)?

   Saúde, saúde, saúde. Deverá ser sempre uma palavra de ordem na nossa vida. O maior dos desejos. O mais forte dos pedidos. A maior das bençãos. Aquilo por que devemos estar mais gratos. Saúde. Saúde da que nos permite viver e conviver e rir e saltar e disparatar e fazer tudo aquilo que nos dá na real gana e nos preenche. É a saúde que conta. Então, por favor, por favor muito grande, PAREM DE FAZER DA DOENÇA O MAIOR E MELHOR TEMA DE CONVERSA.  Agradeçam pela saúde. Esqueçam a doença. Pisem-na. Atirem-na para o fundo do baú do cérebro. E sobretudo, deixem-na à porta de qualquer momento de convívio. Em último caso, lembrem-se daquela coisa do "más energias atraem maus acontecimentos". Quem sabe se o elogio da saúde não trará mais saúde?

   Saúde!

A solidão de quem cuida

Tememos a solidão porque esta nos faz sentir vulneráveis, a não ser que sejamos pessoas com uma grande capacidade resolutiva interior, com uma grande capacidade para sentir a unidade que integramos. Porque motivo nos faz a solidão sofrer? Porque o ser humano não nasceu para estar sozinho. O ser humano é em função das suas relações. A sua existência não é uma existência solitária, pelo que, para a cuidadora de alguém que padece de Alzheimer, imaginar o futuro no qual, possivelmente, possa vir a ficar sozinha, sem a possibilidade de partilhar a sua vida com alguém e de continuar a relacionar-se com essa pessoa que ama, provoca inevitavelmente medo. A cuidadora vive dia-a-dia o luto vivo da doença, e a solidão, para ela, não é um mero conceito. É uma realidade próxima que se manifesta a cada momento no seu companheiro, pai ou mãe, cujas capacidades vitais deixaram de ser as de antes, que se foram diluindo com o tempo.

"Viver com Alzheimer", Dr. José Luis Molinuevo

A todos os/as cuidadores/as

«Hoje em dia, quando me perguntam quanto tempo vou continuar a cuidar da minha mãe, responde sempre, "Pelo menos mais um dia!"»

"Viver com Alzheimer". Dr. José Luis Molinuevo

 

   Porque cuidar é isto; viver um dia de cada vez. Ou deixar a vida correr e arrastar-se dia após dia, hora após hora, minuto após minuto...sem nunca saber o  que esperar do instante seguinte. No fundo, esta é a vida de todos nós, mas quem cuida de alguém doente vive com a certeza inabalável de que qualquer minuto pode ser o último e que o que conta é o que se faz agora, para o bem de quem de nós precisa.

   Porque cuidar é difícil, muito difícil. E cuidar com amor e do amor é ainda mais.

   Um bem-haja a todos aqueles que cuidam de alguém, com amor.   

E se isto acontecesse comigo?

   Esta é a pergunta que muitas pessoas podem (e devem) fazer em determinados momentos da vida, perante uma variedade de situações. Especialmente em situações críticas ou de doença, esta deverá ser a questão-chave para sermos capazes de nos colocar na pela da pessoa que está verdadeiramente a passar pela situação. 

   Uma das muitas coisas que o meu contexto profissional me ensinou foi precisamente a colocar esta questão imensas vezes. Perante tanta dor e sofrimento humano diário, a maior parte das vezes ligado à solidão ou à doença, parar para me perguntar "e se isto acontecesse comigo?" é um exercício saudável e quen os dá toda uma nova perspectiva da vida, quando percebemos que felizmente temos passado ao lado de muitas formas de sofrimento humano. E isto, esta simples questão, ajuda-nos a colocarmo-nos na pele do outro que sofre, que desespera, que fina, que vê a vida deixar de ser vida. Provavelmente, esta questão será uma das mais sinceras formas de empatia humana, pois coloca-nos do lado de lá e é do lado de lá que a vida custa e dói, porque do lado de cá, do nosso lado, há muita coisa que consideramos como negativa, má, insuportável que não passa de ninharias quando comparadas com aquilo. 

   Vale a pena pensar nisto. 

“Um comprimido que não se vende na farmácia – o afecto."

Para quem, como eu, tem a possibilidade de fazer diariamente um trabalho semelhante a este, que é tão, mas tão, doloroso mas enriquecedor, este artigo fará todo o sentido:

 

«Está com 73 anos. Só com duas muletas consegue andar de um lado para o outro. “Enquanto eu puder, entretenho-me com ele.” Está confinado à casa há uma meia dúzia de anos. A mulher dorme na cama ao lado. De três em três horas, acorda, mexe-o. Já nem precisa de despertador.

(...)

A ouvi-la está um par de enfermeiros do Magalhães Lemos, o hospital psiquiátrico da região norte. Integram a equipa de apoio domiciliário encarregada de visitar uns 400 doentes que já não conseguem vir ao serviço ou que se recusam a fazê-lo. De segunda a sexta saem dois carros, cada um com dois técnicos: dois enfermeiros, um enfermeiro e um assistente social ou um enfermeiro e um psiquiatra.

(...)

Sobra-lhes empatia. Não lhes compete pôr sondas, trocar pensos, dar banhos. Isso é tarefa dos cuidados primários. Estão incumbidos de ensinar quem cuida a cuidar e a cuidar-se, não vá o stress, a ansiedade, o desgaste levar à depressão ou ao colapso, gerar negligência, mau trato ou abandono.

(...)

O cuidador faz parte do plano terapêutico. Assume-se que sem ele nada se pode fazer. É chamado a uma consulta específica. A sós, num pequeno gabinete, um enfermeiro explica-lhe o que é a doença, como progride, como lidar com ela.

Pequenos passos podem evitar grandes stresses. Tirar os tapetes da casa, trocar os chinelos pelas pantufas, fechar bem as embalagens de detergente, exemplificara a psiquiatra Rosa Encarnação. A visita domiciliária reforça essas lições e acrescenta outras, conforme a doença evolui. Não gosta de água? Talvez goste de gelatina. Comer um prato de gelatina é quase como beber um copo de água. A gelatina tem proteínas. Se as proteínas não estiverem repostas, vai ferir-se mais.

(...)

Não é por acaso que a equipa de apoio domiciliário é multidisciplinar, elucidara Rosa Encarnação. É preciso olhar para várias áreas, porque estes doentes já não se servem das palavras, exprimem-se através de alterações do sono, agitação, agressividade e isso tem de ser compreendido.  

(...)

Há muitas famílias desavindas e, no meio delas, idosos incapazes de se amanharem sozinhos. A equipa do Magalhães Lemos, por vezes, assume o papel de árbitro. Uns queixam-se: “A minha irmã não faz nada, fica tudo para mim.” E a equipa tem de chamar a outra parte, de lembrar que “seria bom partilhar” tarefas.

Acontece, no princípio, alguém até querer assumir a empreitada por inteiro. “A pessoa não está a ver o filme todo”, nota Rosa Encarnação. A sobrecarga pode ser esmagadora. “Temos de dar tempo às pessoas para perceberem que não aguentam. Para ficarem bem consigo, algumas têm de tentar.”»

 

O artigo completo aqui: http://www.publico.pt/n1618424

Histórias com gente dentro

   Esta semana pude conhecer a Sra. L., de 64 anos, que, depois de há uns anos ter lutado arduamente contra o cancro da mama, hoje tem o bicho-cancro espalhado por todo o corpo, numa fase desumanamente avançada ao ponto de a impedir até de descascar uma maçã.  Perante tamanho historial ia à espera de encontrar alguém fisica e psicologicamente debilitada, mas a vida e este trabalho não param de me surpreender e o que encontrei foi uma senhora cheia de vida e, acima de tudo, uma maravilhosa vontade de viver. Todo o tempo passado com a Sra. L. é mais uma daqueles lições que levamos para a vida, porque, sendo cruelmente realistas, a Sra. L. está a morrer mas recusa-se a aceitar isso, não numa perspectiva de negar o seu estado, mas antes numa fantastica atitude de luta renhida com e contra o cancro. Parafraseando-a, "eu sei que vou morrer. E a doutora também sabe que vai. Todos nós vamos morrer. E a mim não é o cancro que me vai matar. O cancro vai ser a desculpa que vão dar para a minha morte, porque eu vou viver até o meu dia chegar. Ter cancro não muda nada". 

   Quantas pessoas cobseguem pensar assim? Quantos de nós,  mesmo não tendo quakquer doença,  sofremos horrores com a antecipação e o receio da morte? E quantos de nós nos esquecemos constantemente  que esta vida tem mesmo um prazo de validade e que, por isso, é bem melhor consumi-la enquanto há tempo, mas consumi-la intensa e verdadeiramente até à última gota? 

   Há gente tão cheia de tudo neste mundo, que só cruzar a nossa vida com a dessas pessoas é a maior das experiência. 

Histórias com gente dentro

   Imaginem que aos 25 anos recebiam um diagnóstico de esclerose múltipla. Como reagiriam? Qual seria o significado da vida, ou de viver, a partir daí?

   Hoje conheci a Sra. L., de 48 anos, que vive com um diagnóstico de EM desde os 25 anos...não posso dizer que a Sra. L. seja um exemplo do bem viver quando a vida nos oferece um presente destes...a Sra. L. está completamente entregue à doença, sem aquele discurso optimista que serve de enredo a bonitos filmes de Hollywood. A Sra. L., simplesmente, tem uma visão completamente realista em relação ao seu estado, à sua doença e ao seu futuro que, basicamente, não é nenhum. É uma pessoa amorosa, com quem conversamos sem dar pelo tempo passar, com um sorriso delicioso e um brilhozinho no olhar. É uma pessoa que hoje já aceitou a sua condição mas que nunca vai aprender a viver com ela. E é uma pessoa com remorsos do que não viveu com medo de agravar o seu estado ou acelerar a sua evolução e que vai morrer com a sensação de não ter vivido. E com razão. Com muita razão.

   Mas a Sra. L. é feliz. É feliz porque tem o amor ao seu lado há quase 25 anos. Um amor incondicional, puro, verdadeiro e enorme. O amor de um homem que passou a viver para a sua esposa e em função dela e das suas necessidades, ao ponto de deixar de trabalhar para cuidar dela 24h por dia, o que os obrigou a muitas alterações no seu estilo de vida. Ver este casal é uma das mlehores coisas do mundo, já que o sentimento que os une é completamente visível na troca de olhares, na cumplicidade, nas brincadeiras constantes, mas também nos olhos dele que se enchem de lágrimas ao relembrar determinados momentos e a projectar um futuro incerto.

   Não tenho dúvidas que um dos motores que move a Sra. L. é este amor. Tudo o resto é nada e a certeza de que será sempre a piorar, dia após dia, no sentido de uma dependência cada vez maior, para alguém que aos 48 anos já não é capaz de caminhar ou de fazer o que quer que seja sozinha. Talvez a frase mais dramática e que resume tudo isto seja esta: "Não há nada pior que esta doença. Eu nem sou capaz de me matar! E o pior é que vou estar consciente disso até ao último dia". Não vale a pena dizer mais nada.