«(…) sabes, rapaz, nós estamos para aqui metidos como animais domésticos, limitados e cheios de necessidade de cuidados, é verdade, e somos de facto parecidos com miúdos, porque vamos ficando atrapalhados das ideias, muito cansados para seguir com as coisas todas, e confundimo-nos constantemente, fazendo asneiras que não se esperam de adultos, mas somos, sobretudo quando estamos sossegadamente sentados, adultos, e metemos cá dentro da cabeça uma experiência de uma vida inteira que já viu de tanta coisa. Às vezes, avançando já a parte da senilidade a que vamos sucumbindo, podias aproveitar um pouco mais a nossa amizade, porque estamos a anos-luz da tua idade, mas temos um passado que é genericamente o teu presente e o teu futuro (…)» (Valter Hugo Mãe, “A máquina de fazer espanhóis”)
Hoje, como nunca antes, vivemos mais. A esperança média de vida para cada um de nós parece não parar de crescer, com todas as implicações positivas e negativas que isso acarreta. Como vivemos mais, envelhecemos mais e durante mais tempo. O processo de envelhecimento é universal, gradual e irreversível, referindo-se a um conjunto de mudanças e transformações que ocorrem com a passagem do tempo. Começamos a envelhecer no dia em que nascemos e enquanto a vida nos sorri, desejamos poder continuar a envelhecer por muitos e muitos anos. Envelhecer é bom, desde que seja um envelhecimento feliz. Quem não gostaria de chegar aos 100 anos cheio de vitalidade, saúde e vontade de envelhecer ainda mais? Infelizmente, envelhecer e ser velho (termo que utilizo com todo o respeito e humanidade que dedico aos nossos “mais velhos”) nem sempre é uma experiência feliz.
O número de pessoas ditas idosas não para de crescer e diariamente nos questionamos e preocupamos com as consequências destes números. É preciso cuidar dos nossos velhos, dizem os entendidos, e cada vez mais parece ser uma realidade que este país não é para velhos. Questionar o muito ou pouco que se faz pelos mais idosos não é a minha função ou pretensão, mas enquanto técnica e sobretudo enquanto pessoa que respeita e admira os nossos velhos, preocupa-me, mais do que o saber cuidar, o querer olhar por eles e para eles, dignificando-os, humanizando-os, respeitando-os e dando-lhes atenção, afecto e, porque não, amor. Preocupam-me aqueles que envelhecem sozinhos, abandonados ou negligenciados, como se por estarem na última etapa das suas vidas não merecessem tudo aquilo que um ser humano merece. Uma sociedade que esquece os mais velhos não é uma sociedade da qual nos devemos orgulhar de fazer parte. Fazer do envelhecimento uma história com um final feliz está nas mãos de todos nós que convivemos diariamente com esta realidade, seja nas nossas casas, seja no nosso trabalho. Tempo (de vida) é aquilo que lhes parece escapar entre as mãos e, por isso, tempo é o que temos de lhes dar. Tempo para estarmos lá e os ouvirmos; ouvirmos as suas histórias repetidas até à exaustão, as suas experiências, as suas preocupações, os seus medos, os seus desejos, se é que ainda lhes é permitido esperar algo mais da vida, as suas queixas, ainda que sem fundamento, as suas birras, as suas cismas, as suas constantes chamadas de atenção.
«(…) afinal, estamos velhos e temos de morrer, um primeiro e outro depois e está tudo muito bem. Sorriem, umas palmadinhas nas costas, devagar que é velhinho, e depois vão-se embora para casa a esquecerem as coisas mais aborrecidas do dia. Onde ficamos nós, os velhinhos, uma gelatina de carne a amargar como para lá dos prazos.»
(Valter Hugo Mãe, “A máquina de fazer espanhóis”).
Numa época de frenesim e minutos contados, onde ficam afinal os velhinhos? Numa impessoal cama de hospital durante dias intermináveis após a alta clínica? Na solidão das suas casas? Depositados num lar que nunca será o seu verdadeiro Lar? E nós, qual o nosso papel? Já sabemos que não podemos mudar o mundo, por maior que seja a nossa vontade. Mas o que às vezes nos esquecemos é que podemos fazer realmente a diferença no pequeno mundo de alguém que já viveu tanto que julga que agora não pode pedir nada mais que a solidão de um sofá ou de uma cama onde os dias se arrastam sem significado a caminho de uma morte que parecem desejar mais do que tudo, porque afinal já perderam mesmo tudo.
Na nossa vida e no nosso trabalho com os idosos deixo-vos um novo ideal: não chega sorrir-lhes; vamos arrancar a cada um deles, todos os dias, um sorriso. Eu sei que todos nós somos capazes de o fazer. Por eles e por nós. Porque afinal, os idosos de amanhã somos nós.