Não é que eu sempre tenha sonhado ser psicóloga. Andei ali pendida para a medicina veterinária, pela minha obsessão por animais e para o jornalismo, porque dizia eu, gosto de escrever, de conhecer e de viajar (!). Mas a partir de dada altura, quando a maturidade já era suficiente para entendermos aquilo que nos vai cá dentro, decidi que a psicologia era o meu caminho.
Aos 17 anos entrei para uma universidade privada, o meu primeiro desgosto, com uma média de 16 valores, que me valeu uma bolsa de mérito logo no primeiro ano, o que significou estudar à borliu durante um ano. Durante os 4 anos de licenciatura, fui a chamada aluna "exemplar e aplicada". Embora nunca me tenha esfolado a estudar, dediquei-lhe muita horas do meu tempo e mantive sempre a convicção de nunca tirar uma negativa, o que significava arrumar com tudo por frequência e nunca fazer um exame e terminar a licenciatura com média de 15 para cima. 4 anos depois, objectivos cumpridos. Uma licenciatura, nenhuma nega (ever!) e uma média final de 16 valores e o "mérito" de ser a segunda melhor classificada no meu ano, com direito a prémios e cerimónias. O 1º lugar escapou-me por décimas, para um colega de curso que ninguém suportava e que nunca ninguém percebeu como conseguia aquelas notas. Desculpas à parte, isto foi coisa que me incomodou, não pela competição mas pelo esforço empregue.
Durante o primeiro semestre do primeiro ano percebi porque tinha seguido psicologia. Percebi o que realmente me concretizava naquela área. Graças a um magnífico professor e homem que me dava a disciplina de neuropsicologia I e mais tarde II e III. Durante aquelas aulas eu estava completamente absorvida pela ideia de "é mesmo isto que eu quero fazer". O resultado foi uma Pós-graduação de especialização em Neuropsicologia Clínica que iniciei logo no meu último ano de licenciatura e que durou 2 anos, nos quais aprendi muito mais do que em 4 anos de licenciatura, ou então eu estava muito mais interessada naqueles assuntos do que nas mais de 50 disciplinas que tive na faculdade. Dois anos depois, concluí a PG, com sucesso.
Assim que terminei a licenciatura, iniciei um estágio de 6 meses num Lar de 3ª idade "de luxo", naquela que foi, até hoje, a melhor fase/experiência da minha vida. Durante 6 meses fui a pessoa mais realizada do mundo. Tinha tudo: velhinhos amorosos, casos problemáticos, condições fabulosas, duas colegas fantásticas que se tornaram mais do que amigas e a oportunidade de "exercer" na área da neuropsicologia. Aprendi imenso, academicamente e pessoalmente. Ao fim de 6 meses terminei o estágio com uma grande tristeza, com uma classificãção de 18 valores e com rasgados elogios dos meus superiores.
E foi aqui que a coisa começou a doer. Lancei-me no mercado de trabalho, entreguei currículos, activei conhecimentos e acreditei em promessas. Uma atrás da outra, todas se desfizeram. Uma atrás da outra, as desilusões seguiram-se. E as certezas que eu tinha de que todo o meu esforço e dedicação iriam ser recompensados e reconhecidos foram-se.
Porque parar nunca foi o meu lema e estudar nunca foi um problema, fui tirar o Mestrado em Psicologia Clínica. Não fui com esperanças de aprender, nem por realização pessoal, já que o meu objectivo e graças às minhas notas, era dar o salto de uma licenciatura para um doutoramento. Mas o prémio da universidade pelo meu desempenho durante a licenciatura foi uma bolsa para mestrado, daí que não aproveitar seria quase uma loucura. Lá fui e lá fiz, muitas vezes com o pensamento de "para quê que eu me meti nisto", principlamente durante as muitas noites perdidas a trabalhar na minha tese. Em Novembro de 2010 defendi a minha tese e terminei o meu mestrado com uma média de 18 valores e os mais rasgados elogios ao meu trabalho.
Entretanto arranjei um trabalho. Um trabalho que aceitei porque julguei temporário, mas no qual já estou há mais de 2 anos. É um trabalho que nunca me satisfez, no qual nunca me senti realizada. É um trabalho onde faço aquilo que sempre disse que não queria fazer: ser professora e trabalhar com crianças. É um trabalho para o qual vou totalmente desmotivada, onde cumpro as minhas obrigações e do qual nunca senti falta. É trabalho que nunca me pagou sequer o ordenado mínimo nacional e no qual, nos último meses, ganho menos de metade do dito, porque trabalho menos horas. Será escusado referir o verde dos recibos. Ainda assim, é um trabalho que faço bem feito, onde todos parecem gostar de mim e onde acabei por conseguir marcar a minha presença e introduzir algumas mudanças, pelo menos na vida das minhas crianças.
Hoje a pergunta impõe-se, com toda a justiça: será que tudo isto valeu a pena? Dentro de mim a dúvida de que sim e a certeza de que fiz a escolha errada. Seguir o meu sonho poderia ter ficado adiado. O curso deveria ter sido outro e talvez assim não visse tantos e tantos sonhos adiados. De que me valem as boas classificações, as palavras de mérito, as cartas que guardo de parabenização pelo meu desempenho académico? Até o presidente da câmara me enviou uma carta, para quê, se nunca ninguém me deu oportunidade de demonstrar aquilo que eu realmente valho?
Eis-me aqui, aos 25 anos, a escrever num blog para matar o tempo e o tédio. Eis-me adulta, responsável, empenhada, competente e dedicada, transformada naquilo que nunca quis ser: alguém sem esperança, completamente desmotivada e com cada vez menos vontade de sorrir. Podia ignorar, podia continuar a acreditar que a minha estrela vai brilhar, podia viver a minha juventude e aguardar a minha vez, afinal sou a típica jovem a "quem não falta nada". Imaginem só que me falta o mais importante: a minha vida, a minha realização pessoal, o meu sorriso rasgado. A realização profissional não só ums parte de mim, é aquilo que eu sou, é a minha maior meta, porque eu não sou feliz se não tiver o meu lugar no mundo. Mas tens amor, tens uns pais que te adoram, um namorado maluco por ti, tens carro, roupas, sapatos, até vais à Disneyland na próxima semana. Verdade e mil graças por isso. Mas tudo isso junto não é capaz de tapar o fosso que se abre cada vez mais dentro de mim e o ódio crescente para com aqueles que, simplesmente, não me deixam SER.
A questão é: onde vamos buscar as forças para continuar?
No final a certeza de que "não, não sou a única a NÃO olhar o céu..."