Tal como prometido, agora que foi publicado na revista também pode ser publicado aqui.
Um dia alguém me disse: “Tu tens um emprego fantástico! Tens sempre histórias para contar!”. É um facto. Mas esta é apenas uma das vantagens e mais-valias de ser psicólogo e, principalmente, de ser psicólogo na #$%&. (Sorry, mas não vou publicar o nome da instituição).
Embora muitos o afirmem, ser psicólogo não é só ser capaz de ouvir o outro e dar bons conselhos. Essa é aquela “costela de psicólogo” que qualquer um de nós tem e que a vida e a experiência nos vão dando. Ser psicólogo exige uma certa vocação interior, uma espécie de curiosidade interna sobre tudo o que é o ser humano, nas suas variadas facetas, as agradáveis de mostrar e as que ninguém quer conhecer. É quase uma predisposição para dissecar o ser humano por dentro e sarar as feridas da alma. Ser psicólogo não é conhecer o comprimido mágico para a cura, muito menos curar pela palavra. É orientar, guiar, ajudar a chegar lá; é ser capaz de trazer ao de cima o melhor e pior de nós; é ensinar a lidar com o que dói e definir sentimentos, emoções e medos; tudo isto com o rigor e o compromisso assumido com essa grande ciência que é a Psicologia.
Mas afinal, o que faz um psicólogo na #$%&? É uma pergunta legítima que muitos colocarão. Se pensarmos nas principais valências da instituição, poderemos afirmar que nós, psicólogos, trabalhamos no presente, a pensar no futuro e a reviver o passado. Somos mais um dos membros fundamentais deste esqueleto interventivo que se preocupa com a realidade social e ainda acredita que a pode mudar, agindo.
Ser psicólogo ou colaborador na #$%& nos dias que correm é ver todos os dias o reflexo da sociedade actual, da qual a maioria tem conhecimento apenas através dos meios de comunicação social.
Aqui aprendemos que as crianças são como esponjas que absorvem tudo o que as rodeia, para o bem e para o mal, tornando-se reflexos desta agitação social e de valores que nos rodeia. Percebemos ainda que elas podem sofrer como gente crescida e que não é errado os pais pedirem ajuda ou necessitarem de algumas dicas sobre a forma de educar ou lidar com um filho e com o seu comportamento.
Aqui vemos como para alguns é difícil ser idoso em Portugal. Convivemos lado a lado com o sofrimento humano, com a dor da perda, com a incerteza do amanhã, com a solidão, o vazio e o abandono. Aqui lutamos com os nossos idosos contra doenças mais ou menos galopantes, com as perdas de capacidades e com as demências que lhes roubam a identidade e as recordações.
Num dia uma perda, no outro uma vitória. E a esperança, sempre a esperança. Às vezes sentimo-nos impotentes, incapazes e desmotivados, tantas são as solicitações e os pedidos de ajuda e tamanhas são as dificuldades e incapacidades em responder a muitas delas. Chegamos ao final do dia a desejar possuir uma capa de super-heróis, daqueles em que as nossas crianças acreditam e gostam de se transformar, e sermos capazes, não de mudar o mundo, mas de mudar o mundinho daqueles que nos estendem a mão e acreditam no nosso empenhamento em cada causa.
A cada dia, sempre que regressamos ao calor dos nossos lares e da nossa família trazemos cada uma daquelas histórias connosco. Embora a ética profissional às vezes o exija, é impossível separar o psicólogo (ou qualquer outro profissional) da pessoa humana que este é. São os nossos valores a falarem e são eles que fazem de nós aquilo que somos – somos, antes de tudo o resto, “pessoas a sentirem pessoas”. E é por isso que, a cada final de dia, percebemos que valeu a pena deixar o conforto da nossa cama numa manhã fria de Inverno ou perder uma tarde de sol em frente ao rio para podermos entrar em cada uma daquelas vidas com história(s) e (re)escrevermos um capítulo mais feliz, ou pelo menos, menos doloroso. Valeu a
pena ouvir o idoso que se sente só e estar ali com e para ele. Valeu a pena ouvir a mãe que não se sente capaz ou a criança que sonha com o impossível e que ninguém parece compreender. E sempre que recebemos um sorriso, percebemos que valeu realmente a pena cada segundo investido naquele caso.
Na #$%& também há sorrisos, dos 0 aos 101 anos. Vemo-los nos bebés que palram e nas crianças que brincam, nos jovens que descobrem algo novo da vida a cada passo, nos idosos que todos os dias nos ensinam algo mais e nos familiares de todos eles, que nos agradecem a ajuda e o estarmos presentes nos momentos bons e nas crises, honrando o compromisso que assumimos com cada um dos nossos utentes. E se são sorrisos que recebemos, devemos retribui-los de forma transparente, sincera e humana.
Na minha perspectiva,eu tenho de facto um emprego fantástico. Não só pelas muitas histórias que tenho para contar, mas por poder conhecê-las e aos seus actores e por, de certa forma, poder fazer parte delas enquanto mediadora entre um momento de sofrimento ou dúvida e a vida, no seu completo e pleno significado. Ser psicólogo também é isto: viver e dar vida ao outro.