Foi com os músicos no corredor central da plateia, com um Coliseu do Porto em silêncio, escutando uma última canção de um alinhamento que então via o ponteiro a indicar três horas de atuação que a festa terminou. Sala cheia, esgotada há já vários dias, acolhia o segundo de um par de concertos diferentes dos que fizeram a última digressão do grupo. Afinal, juntamente com a noite de casa cheia há precisamente uma semana, no Coliseu dos Recreios (em Lisboa), as duas noites assinalavam, com um programa diferente e uma noção de arrumação dos acontecimentos em três atos (como se fosse um musical), os 18 anos de vida dos The Gift. Quem os viu, em finais de 1998, num lisboeta São Luiz, então também cheio, a apresentar as canções de Vinyl (o seu segundo disco, que antes tinham editado o hoje algo esquecido EP Digital Atmosphere), talvez não imaginasse que uma ideia tão afastada do que era então o terreno comum do espaço pop/rock português, algum dia chegasse a este patamar de reconhecimento mainstream (e atenção que esta expressão não é palavrão que implique juízo de valores, quer apenas traduzir uma noção de relacionamento com o "grande público"). Mas chegou. E se há uma primeira palavra para explicar o que sucedeu, essa palavra será: "trabalho".
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A primeira das três "partes" de um alinhamento que, mesmo sem propor um evidente arco narrativo, acabava por sugerir uma arrumação de ideias, viveu em clima de Primavera. Ou seja, mesmo contando com a intrusão de um Are You Near (do duplo AM/FM), o piano e a sua relação com a voz - tal e qual escutámos no álbum Primavera, editado já este ano - dominou a primeira mão cheia de canções, a presença das imagens de árvores que conhecemos da capa do disco acentuando essa ligação. Apesar da aclamação (inevitável, que esse é afinal o poder dos singles) do tema-título do álbum, Les Tulipes de Mon Jardin foi talvez o momento maior de uma primeira parte na qual Sónia Tavares e Nuno Gonçalves introduziram um dos elementos hoje cada vez mais transversais aos alinhamentos dos concertos dos The Gift: os diálogos que contam histórias, cruzam memórias, comunicam e coram eventuais solenidades. Afinal, é de uma informalidade pop que vive a música dos The Gift.
Álvaro Costa, um comunicador pop por excelência, foi mestre de cerimónias, abrindo a noite e servindo de elo de ligação entre os três atos de que foi feito o concerto, fazendo ainda (e bem) uma ligação entre o momento que a noite vivia e a história daquela sala. E assim, por uma noite, os The Gift partilharam um presente entre memórias de Pamplinas Maquinista ou Joselito.
Da plateia, onde com apenas um pequeno teclado Nuno acompanhou Sónia em Fácil de Entender, a noite deu passagem a um segundo ato vivido dentro de uma frisa junto ao palco, da qual chegaram memórias de Five Minutes of Everything, Me, Myself and I e uma versão (com coro geral) de OK Do You Want Something Simple?, a canção que, nessa já evocada memória de 1998, foi o gatilho que fez daquele o primeiro dia do resto da vida dos The Gift.
O terceiro ato, feito de mais evidente fulgor rítmico e jogos de cores, separou em duas partes algumas outras memórias e, depois, um olhar mais concentrado em Explode, álbum claramente talhado para uma etapa de palco diferente da que o grupo registou já no álbum ao vivo Fácil de Entender.
Em fim de festa, e agora que a fasquia dos 18 anos está ultrapassada, ficou clara a solidez do relacionamento de uma banda com a sua música - a qual vive em palco as contribuições preciosas de Mário Barreiros, Paulo Praça e Israel Pereira - e com o seu público. Film, disco de 2001 que com o tempo que passa cada vez mais parece ser a sua melhor coleção de canções, conheceu merecidas evocações.