Ainda a perda...
Quando alguém morre, o que fica em cada um de nós e no mundo é a recordação que temos da pessoa. Essa é uma recordação pessoal, muito nossa, diferente de pessoapara pessoa de acordo com a relação que manteram com o falecido, mas é sempre uma recordação interna, que não precisa de elementos externos que a potenciem ou despoletem.
O meu tio, viúvo há pouco mais de uma semana, depois de mais de 50 anos de casamento, regresserá em breve e aos poucos à casa onde hámuitos muitos anos vivia com a minha tia. Hoje entrei lá e deparei-me com, provavelmente, a situação que me foi mais difícil encarar e lidar durante todo este processo de luto. Ao entrar lá, deparei-me com uma casa completamente despojada de qualquer recordação física da minha tia. Nenhuma fotografia, nenhuma peça de roupa, nenhum objeto pessoal, nenhum papel que tivesse sido escrito por ela, nenhuma carta com o seu nome...fisicamente, a minha tia desapareceu completamente daquela casa. Dizem que foi desejo do meu tio e que acham melhor assim para que ele "não tenha nada aqui em casa que lhe faça lembrar da esposa".
Perante isto, eu faço a mesma pergunta repetidamente, porque só encontro uma resposta: mas com mais de 50 anos de casamento, mais uns tantos de namoro, depois de toda uma vida juntos, a viverem exclusivamente um para outro, acham que ele precisa de uma fotografia que seja para se lembrar da esposa? Nem vale a pena responder, pois não?
Quando estamos afetivamente ligados a alguém não precisamos nunca de nada que nos ative a memória/recordação dessa pessoa, quando ela já não está. Quando essa ligação afetiva é tão forte como o amor de uma vida, temos um elo que nunca se quebrará, que muito menos se apagará e que nenhuma fotografia presente ou ausente poderá aumentar ou diminuir. A recordação vem e está no coração e esse fica connosco até ao fim, estejamos nós onde estivermos.
Pessoalmente, sou contra estes "esquemas de luto". Por um lado, porque não são emocionalmente saudáveis, já que nós temos de ser capazes de viver com as manifestações daqueles que partem. Por outro porque são uma completa negação do fato de alguém ter partido desta vida, mas que nunca deixará o nosso coração e a nossa cabeça. é certo que a minha tia está dentro de cada um de nós, mas doeu-me imenso vê-la apagada daquela casa que ela sempre estimou com tanto carinho e dedicação. Num instante, parece que nunca existiu ali ninguém para além do meu tio, quando todos nós sabemos que eles serão sempre "eles" e nunca "eu" e "tu", muito menos "eu sem ti".