Destas reportagens que a sic emitiu sobre antigos jogadores de futebol que hoje estão na miséria vi apenas uma e bastou-me. Acredito que a intenção destas reportagens foi dupla: por um lado, apelar ao lado mais humano e de "ai coitadinho" dos portugueses, que comigo não funcionou, e segundo, e para mim principal, mostrar que nisto do ganhar muito dinheiro e se ser famoso o que é preciso é ter muito juizinho e uma vida regrada.
O discurso do coitadinho comigo não colou precisamente porque o que faltou aqueles senhores foi juízo e sentido de realidade. Não posso sentir pena de quem ganhou milhares e mesmo sabendo que tinha uma "profissão de risco" com um prazo de validade muito curto, achou que era boa ideia levar uma vida de milionário sem pensar no amanhã, que logo se verá, afinal eu até sou mundialmente conhecido e alguma coisa se há-de arranjar. Pois é, meus senhores ex-milionários, a vida não é assim. Nós não somos super-heróis para sempre a não ser nos livros, e o dinheiro não caí das árvores nem se multiplica por milagre, muito menos estica até sempre quando achamos que por termos corrido atrás de uma bola durante uns anos e até sermos bons nisso, não vamos precisar de fazer mais nada o resto da vida.
O ser humano não está formatado para lidar adaptativamente com a fartura. Quando estamos perante muito seja do que for, desorientamo-nos, confudimo-nos e agimos por impulso, no sentido de aproveitar ao máximo "aquela fartura". É isso que acontece com as mulheres que têm muita roupa (guilty me!) e que, por terem tanta e terem de fazer tantas opções, acabam por não saber o que vestir. É isso que acontece quando temos uma mesa cheia de pecados alimentares (olha o Natal, por exemplo) e acabamos por comer de tudo só por vício, só porque está ali e a comida é para ser comida. É isso que acontece quando temos muito que fazer e não sabemos para onde nos virar e acabamos por não fazer nada devidamente em condições. É isso que acontece quando temos muito amor para dar e, como é tanto e a vontade de o dar ainda mais, não o sabemos dosear. E é isso que acontece quando temos mais dinheiro do que seria expectável e simplesmente não sabemos onde e gastar, mas ele é tanto e permite-nos tanta coisa que o comum dos mortais não pode atingir que facilmente somos invadidos pela vontade de o gastar nisto, naquilo e em mais alguma coisa, que nos parece sempre a coisa ideal para gastar o nosso dinheiro.
Não deve ser nada fácil ser-se "famoso" e ganhar muito dinheiro. Poderá até ser uma vida de sonho, mas é uma vida que implica um trabalho mental enorme, desgastante mesmo, e a fomentação de regras rígidas no que respeita à gestão da vida pessoal/pública e a despesas e economias. Se todos nós temos de pensar a longo-prazo e prever eventualidades futuras, quem tem profissões que se alimentam "do momento" ou "da fama" tem de tomar 1000 vezes mais precauções e nunca levantar completamente os pés da terra, ao ponto de julgar que o mundo vai pagar milhões pelo meu nome até ao fim dos tempos. Tudo tem o seu tempo e a fama tem normalmente um tempo bem mais curto que a vida.
Se me querem vender o discurso do coitadinho, façam-no com alguém que ganhando muito ou pouco perdeu o emprego de forma injusta e inesperada e não porque atingiu o prazo de validade para aquela profissão. Se querem que eu me comova, façam-no com alguém que não tem rendimentos porque o dinheiro de uma vida regrada e controlada, mas interrompida, simplesmente acabou, porque ele não dura para sempre e viver, ainda que na miséria, não é de graça. Se querem mostrar que há miséria em Portugal usem os milhares e milhares de desempregados ou reformados que vivem com pouco ou nada e que sempre batalharam, dia após dia, para se manterem de pé.
Se querem mostrar que efectivamente há muita gente que não tem juízo, famosos ou desconhecidos, então estiveram muito bem. Para que "os famosos" também serviam de exemplo para o que não se deve fazer na e desta vida.