Crescer sem pai
Todos sabemos que as taxas de emigração dos portugueses têm crescido nos últimos anos. O aumento do desemprego leva muitos portugueses para longe de casa, com tudo que de bom e de mau isso acarreta.
A Sic transmitiu recentemente uma reportagem sobre os pais que emigram e deixam por cá família e, sobretudo, filhos. Ao contrário do que a reportagem dizia, estas não são crianças sem pai, expressão excessivamente forte. Estas são crianças com pais que são pais todos os dias, mas que foram obrigados a serem-no à distância, em defesa da família, da vida e da dignidade humana. Estas são crianças que vivem numa solidão permanente, que sabem melhor do que ninguém o significado da palavra saudade e que ,de certa forma, se vêem obrigadas a crescer um bocadinho mais depressa, por às vezes a saudade de um pai dói o suficiente para fazer mossa.
Estas são crianças que podem seguir dois caminhos: o da revolta e da não aceitação da situação, o que se traduzirá em comportamentos de exteriorização como défices de atenção, mau comportamento ou maus resultados escolares; ou da compreensão e aceitação, que as leva a utilizarem as mais diversas situações como um mecanismo de compensação para a ausência do pai, daí que surjam muitas vezes, por exemplo, excelentes resultados escolares.
Toda a criança deveria ter um pai e uma mãe por perto. As crianças que têm pai apenas uma vez por ano não podem ser crianças como as outras, porque haverá sempre uma parte do amor em falta, por muitos telefonemas que se façam e por muito que as novas tecnologias serviam para encurtar distâncias. Encurtam-se as distâncias, aumentam-se os sentimentos.
Sendo eu uma "pai-dependente" e alguém que guarda as mais diversas recordações do meu crescimento junto do meu pai (e mãe, mas neste questão, são maioritariamente os pais que emigram), não consigo sequer imaginar o que teria sido a minha infância e adolescência sem o meu pai. Provavelmente adaptaria-me à situação, afinal adaptarem-se é das coisas que as crianças melhor fazem, mas quantas memórias não teria sequer formado? Quanto não teria ficado por viver? Quantas brincadeiras por brincar, quantas aprendizagens por aprender, quantos castigos por receber?
Imaginem estas crianças que hoje crescem sem pai. Imaginem-nas daqui a 10, 20, 30 anos. Imaginem-nas a recordarem o passado. E agora imaginem quanta coisa elas não vão encontrar no passado, quantas recordações elas não vão formar, quanta vida elas estão a perder...
Sei que esta é uma situação inevitável. Sei que muitos destes pais que partem são verdadeiros heróis. Sei que eles sofrerão tanto ou mais do que quem fica. Mas também sei que temos de pensar nas crianças, muito mais do que nas taxas de emigração. Depois do Pedro Abrunhosa querer voltar para os braços da sua mãe, há que pensar quantas crianças não dariam tudo para terem os (a)braços dos seus pais de volta...