Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

Pôr o dedo na ferida...e não o tirar enquanto não sarar

   Ser psicólogo também é isto: descobrir onde está ferida, descobrir porque sangra, pôr lá o dedo e escarafunchar muito bem até a pessoa saber viver com essa ferida curada. Mas isso não é fazer sofrer o outro? Não. É trazê-lo para a realidade porque o queremos ajudar. É dizer-lhe "eu sei que dói, e ainda vai doer mais, mas o caminho é por aqui e, juntos, vamos fazer o penso desta ferida que dói tanto".

   Às vezes não é fácil chegar lá, à ferida mesmo. Tem uma crosta por cima que a encobre mas que não a sarou. Às vezes é preciso andar ali à volta, a explorar, a descobrir, e quando menos esperamos, click, as lágrimas, a dor, o sofrimento e a certeza de que temos de continuar exactamente por aquele caminho.

   O melhor de tudo? Sentir e saber que, no final e apesar de todo o sofrimento, é possível sarar as feridas dos outros.

Dias felizes

IMG_20141026_215638.jpg

 

O sol. O outono. O calor em outubro. O rio. O mar. O por do sol. A noite. A comida. Eu. Ele. O afilhado. A família. A paz. A vida. Com sorrisos e momentos felizes. Boa semana!

«O Horizonte», Patrick Modiano

image.jpg

Jean Bosmans, um homem frágil perseguido pelo fantasma da mãe, recorda a sua juventude e as pessoas que entretanto perdeu. Sobretudo a enigmática Margaret Le Coz, a jovem mulher por quem se apaixonou nos já longínquos anos 60 e que um dia misteriosamente desapareceu. Quarenta anos depois, Bosmans parte à procura desse amor que a memória teimosamente conservou.

_________________________________________________________

   Este escritor era totalmente desconhecido para mim até ser anunciado como Nobel da Literatura 2014. A curiosidade era alguma, e ao passar numa Bertrand dei com ele, como seria de esperar após o anúncio do prémio, na montra. Trouxe-o. Sem qualquer expectativa. 

   Desconheço a obra deste autor, por isso não me posso estender muito, mas tenho de confessar que para primeiras impressões não foram assim muito positivas. É de fácil leitura, é um livro pequeno, poucas personagens, percebi o objectivo, mas não me cativou. Em muitas alturas da história parecia-me que estava a ler uma Mrs. Dolloway em jeito masculino e francês...aquelas deambulações pela cidade, aquelas recordações, aquela fixação por uma personagem do passado do sexo oposto...parecia ter ali o dedo de Virginia Wolf. 

   Voltarei a Modiano, com toda a certeza, mas não com a ânsia com que volto a outros escritores. Ainda assim, é um dos melhores do mundo e só por isso e por gostar de literatura, absolutamente obrigatório!

Histórias com gente dentro

   De vez em quando encontro pessoas assim: resistentes às minhas tentativas de ajuda, com o discurso do "eu não preciso", quando sabemos perfeitamente que precisam e muito e do "já não nada que possa fazer por mim". Nestes casos limito-me a respeitar sem nunca me fazer esquecer, ou seja, de longe a longe vou passando lá por casa "só para saber como está e lhe dizer que, se precisar, eu estou cá".

   Nestes casos e quase sempre de repente dá-se o clic que os faz dizer "gostava de poder falar com a Dra..." e ganho aqui amigos de uma vida, que é como quem diz, casos em que as visitas terminam sempre com um "e agora, quando volta?".

   A Sra. N. é um destes casos. Ou era... Connosco há vários anos, muitos mais do que os que eu tenho na instituição, passou de cuidadora exímia de um marido em fase terminal de doença cancerosa a cliente há cerca de 2 anos, com a morte do marido. Dona de uma personalidade muito própria e peculiar e de ideias nem sempre facéis de gerir, a Sra. N. nunca aceitou a minha ajuda, apesar de serem claríssimos os sinais de um enorme desgaste emocional causado pela doença do marido e depois pela sua morte e acima de tudo por uma história de vida complicada de quem teve tudo e todos e hoje sobrevive com tostões e caridade, numa solidão total que encara como humilhação e castigo que não compreende.

   Sem nada o fazer prever, na passada semana pediu a uma das nossas colaboradores para marcar uma visita minha. Caiu-me o queixo. A mim e a toda a equipa. Ontem lá fui, conhecê-la, percebê-la e ouvi-la. Principalmente ouvi-la, porque é só disto tudo que ela precisa, de alguém que a ouça fechada numa casa despida de calor humano, alegria e afetos. O tempo passou a voar, a conversa foi interessantíssima, compatível com a pessoa que acredito que a Sra. N. é e já muito perto do final compreendi o que a fez mudar de ideias e chamar-me. Completamente desacreditada da vida e das pessoas, a Sra. N. leu o meu texto "A arte de cuidar" publicado na última revista instituição e reviu-se naquelas palavras dedicadas a todos os cuidadores. Segundo ela, viu ali compreensão e dedicação de alguém que se preocupa com quem cuida e não apenas com quem está doente. E com aquelas palavras, voltou a acreditar um bocadinho nas pessoas e na humanização...ou pelo menos, começou a acreditar um bocadinho em mim e como ela própria disse "ao ler isto eu percebi que tinha aqui alguém que me pode compreender, que me vai ouvir e que me vai ajudar".

   Para quem, como eu, acredita nas pessoas e na capacidade de mudarmos vidas simplesmente estando lá e ouvindo, isto foi dos maiores elogios possíveis. E sim, a visita terminou com a marcação do nosso próximo encontro.

A pessoa antes da profissão

10659155_864418143582754_3466429970339719301_n.jpg

   A mistura de papéis é uma coisa com que tenho dificuldade em lidar. Se me querem ver realmente irritada, e acreditem que é difícil saltar-me a tampa, é ter alguém da minha rede social mais chegada (família e amigos) dizer-me algo do tipo "tu disseste/fizeste/pensas isto ou aquilo? Mas tu és psicóloga, como é possível?!?".

    É verdade, sou psicóloga. Mas, guess what, atrás, à frente, antes e depois da psicóloga, há uma pessoa, que sou eu, enquanto pessoa mesmo, só pessoa, sem qualquer profissão ou obrigação imposta por essa profissão. É certo que eu acredito que a nossa profissão deve surgir de uma vocação, de uma propensão para determinada área, e que isso tem tudo a ver com a nossa personalidade, a nossa maneira de estar no mundo e ver o mundo, mas aquilo que nós somos está antes e para além de tudo isso. Sou psicóloga, sim. Mas assim que saio do trabalho gosto de tirar essa farda. Nunca totalmente, é certo, porque o olho clínico é muito forte (mas os anos vão-nos ensinando a desligá-lo), mas na minha vida, sou a filha, a neta, a sobrinha, a prima, a madrinha, a namorada, a amiga, a vizinha...a pessoa! Sou eu! Eu que decidi ser psicóloga quando a formação da minha personalidade atingiu aquele ponto que me permitiu conhecer-me e saber o que quero ser na vida.

   Se há profissões que carregam um certo "ah ela é assim porque é isto", psicóloga/o é uma delas. Ainda me recordo de há alguns anos atrás ouvir recorrentemente o comentário "esta é fulaninha, mas cuidado que ela é psicóloga!" ou algo como "enquanto estamos a falar estas a analisar-me, não é?" (deste ainda não nos conseguimos livrar).  Não, não é. Descansem que eu só uso o meu leitor de pensamentos e o meu scanner de transmissão de informação mental durante o horário de trabalho e nunca o trago para casa.

   São atitudes que cansam. E é tão simples: não é a profissão que escolhemos que faz de nós isto ou aquilo. Nós é que fazemos a nossa profissão. Que será sempre isso: a nossa profissão, e não aquilo que somos!

Quando o cuidar sai caro

 sem nome.png

Durante as minhas compras já por diversas vezes pensei nisto: não é fácil termos uma alimentação saudável, simplesmente porque as escolhas alimentares ditas "mais saudáveis" são significativamente mais caras do que os  alimentos mais comuns. Hoje, por exemplo, aproveitei a hora de almoço para comprar as bebidas alternativas ao leite (soja, aveia, coco, arroz...) e espreitar o preço do leite sem lactose. Felizmente, graças Às marcas próprias das grandes superfícies, conseguimos alternativas um pouquito mais acessíveis, mas ainda assim, um litro de leite sem lactose roça quase os 1,50 euros e as restantes bebidas ultrapassam os 2 euros, o que, para mim, é estupidamente caro. É certo que no meu caso comprar estes produtos é uma opção, mas penso muitas vezes em quem tem de os comprar obrigatoriamente, por motivos de saúde. Os celíacos, por exemplo... já reparam no preço dos alimentos sem glúten? Ridículo! E, se, mais uma vez refiro, em alguns casos optar por estes alimentos é uma opção, noutros, infelizmente é uma obrigação, uma necessidade. Como é isto, os pobres não podem ser celíacos? Intolerantes à lactose ou a qualquer outra substância?

  Fazendo uma comparação rápida, encontramos facilmente refrigerantes de 1,5l a menos de 1 euro, 50 cêntimos até! Qual o preço de um pack de 3 pacotinhos de leite de soja? Pois é, bem mais de 2 euros. Nem vamos falar do meu adorado leite de coco, que chega a ser considerado um capricho! Quanto custa o leite achocolatado, as bolachas carregadas de açucar, os pãezinhos de leite com pepitas de chocolate, um pacote de batatas fritas? Relativamente acessível, certo? E agora, quanto custa um pacote de bolachas sem açucar, sem glúten, por exemplo? Quanto custa a massa integral, o arroz integral, os cereais sem açucar, as sementes da moda, as alternativas à carne ou até mesmo o peixe e a fruta, que muitas vezes têm também preços assustadores?

   Volto a dizer: são opções em muitos casos. Mas se calhar a verdadeira opção de quem opta por uma alimentação saudável é a opção de olhar por si, cuidar de si, e procurar fazer o minímo para prevenir eventuais doenças ou situações futuras pouco agradáveis. E se é de cuidar que estamos a falar, porque é que é tão caro cuidarmos de nós?

«Como Deus manda», Niccoló Ammaniti

sem nome.png

Cristiano tem treze anos e uma vida bem longe da perfeição. Quando o seu pai e dois amigos engendram um plano para assaltarem um banco, Cristiano vê nisso a possibilidade de uma vida melhor. Mas as coisas não correm bem. Numa apocalíptica noite de tempestade, o papel desempenhado por cada uma das personagens irá desencadear consequências terríveis.
Cru e implacável, Como Deus Manda tem um ritmo alucinante e é um livro pautado pela violência, o humor negro e a ternura. Niccolò Ammaniti apresenta-nos um elenco de personagens inesquecíveis, numa encruzilhada entre a esperança e o desespero.

____________________________________________________

   Este livro foi um dos 10 sugeridos pelo escritor José Luís Peixoto como leitura de verão numa revista do tipo Sábado ou Visão. Fiquei curiosa. Passados uns dias encontrei-o com uma promoção bem apetecível na Bertrand. Entretanto fui "metendo" outros livros antes e esta foi uma leitura de Outono. E que soube muito bem.

   Apesar de ter momentos algo fantásticos e fantasiosos, a generalidade do livro é dura. Para quem trabalha na área social, como eu, revemos muito daquilo que ali está ficcionado na realidade diária. Numa noite, tudo mudou, mas o que esteve antes, o cenário que nos pintam é brutalmente real. Doloroso, mas real, porque é mesmo verdade que existem casos assim, famílias assim, crianças assim...

   Primeira vez num escritor italiano. Recomendo!

Pág. 1/2