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1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

Como um caracol

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Se pudesse ter uma vida paralela, gostaria de ter a vida de um caracol, carregando comigo a casa e plantando-a onde houvesse sol e silêncio, onde houvesse mar e espaço, onde houvesse tempo e distância. Onde houvesse essa improvável e louca hipótese de ser feliz fora do mundo.

Miguel Sousa Tavares, "Não se encontra o que se procura"

«Marquesa de Alorna», Maria João Lopo de Carvalho

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Leonor, Alcipe, condessa d’Oeynhausen, marquesa de Alorna - nomes de uma mulher única e invulgarmente plural. Chamei-lhe Senhora do Mundo. Poderia ter-lhe chamado senhora dos mundos. Dos muitos mundos de que se fez senhora. Inconfundível entre as elites europeias pela sua personalidade forte e enorme devoção à cultura, desconcertou e deslumbrou o Portugal do séc. XVIII e XIX, onde ser mãe de oito filhos, católica, poetisa, política, instruída, inteligente e sedutora era uma absoluta raridade.
Viveu uma vida intensa e dramática, mas jamais sucumbiu. Privou com reis e imperadores, filósofos e poetas, influenciou políticas, conheceu paixões ardentes, experimentou a opulência e a pobreza, a veneração e o exílio. Viu Lisboa e a infância desmoronarem-se no terramoto de 1755, passou dezoito anos atrás das grades de um convento por ordem do Marquês de Pombal e repartiu a vida, a curiosidade e os afectos por Lisboa, Porto, Paris, Viena, Avinhão, Marselha, Madrid e Londres.
Marquesa de Alorna, Senhora do Mundo é uma história de amor à Liberdade e de amor a Portugal. A história de uma mulher apaixonada, rebelde, determinada e sonhadora que nunca desistiu de tentar ganhar asas em céus improváveis, como a estrela que, em pequena, via cruzar a noite.

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   Pela primeira vez, um romance histórico do qual não gostei. Exageradamente longo, pareceu-me, ao ponto de nos desinteressarmos pelas personagens e pelo seguimento da história. Confesso que esperava muito mais, já que, não só aprecio o estilo, como li outros livros do género da mesma escritora e agradaram-me bastante, mas este tornou-se enfadonho e muito, muito difícil de ler, ao ponto de o intercalar com outros livros.

   Não me cativou, e quando um livro não me cativa logo de início a nossa relação fica muito complicada. 

Em noites quentes...

   Nas noites de calor há quatro coisas que nunca falham: os grilos a cantar, o cheiro a calor (não dá para descrever, mas todos o conhecem), as crianças a brincar na rua e as pessoas que saem à rua e se sentam num qualquer muro ou vão de escadas, o importante é estar na rua. 

   Gosto de todos eles. Gosto de os sentir chegar e de ver e ouvir, porque marcam definitivamente o fim dos dias curtos e frios e anunciam a chegada da melhor altura do ano, que é aquela em que tudo é mais quente, mais longo e mais leve.

   Escrevo este post dentro de casa, embalada pelo cantar dos grilos e de janelas abertas para deixar entrar o cheirinho a noite quente. As crianças da rua já recolheram, mas estiveram lá e animaram o cair da noite - é uma chatice mas a idade ainda obriga a cumprir horários legais de recolher apesar de amanhã ser feriado e as aulas estarem mesmo a terminar. Não preciso de ir à varanda para saber que há-de estar alguém sentado no murinho aqui em frente, ou no terraço da casa que fica do outro lado da rua. Há coisas que não precisam de ser comprovadas para sabermos que existem e que marcam locais e épocas. Há coisas que existem para nos mostrarem que a vida ainda pode ser previsível e boa e que há coisas que são intemporais, aparentemente insignifcantes, mas cheias de significado e sentido na vida. O que as noites quentes trazem são exemplos disso. Em todos os tempos, por todos os tempos, haverá sempre noites quentes como esta e com isto. E isso deixa-me tão, mas tão satisfeita.

Boa noite!

Uma vez não conta, uma vez é nunca, mas uma vez é tudo o que parece haver

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Não há, contudo, contudo, nenhum universo em que se viva sem dor e sem beleza. Nenhum universo vazio de flores ou música, nenhum universo onde a felicidade seja fácil, o amor simples, a vida desprovida de peso. Em todos os universos os milhares de milhões de pessoas andam pelo mundo, com os seus sonhos, merda e memórias, incapazes de viver sem imaginar outras possibilidades para a vida, condenados a atravessar os anos sem o dom de voltar para trás e escolher de forma diferente. Uma vez não conta, uma vez é nunca, mas uma vez é tudo o que parece haver. Em todos os universos as vidas vivem-se na certeza de que o seu destino é a morte. Porém, antes que a segunda data fique escrita na campa, antes da cinza às cinzas, do pó ao pó, antes dos familiares de olhos húmidos e cabeças baixas, cada vida cria a sua história única, cada pessoa acumula as suas decisões, gestos, amores, desesperos, epifanias, violências, risos, contradições e entusiasmos numa história única, épica, irrepetível, que deixa para todo o sempre uma cicatriz no cosmos. 

Nuno Amado, "Manual de felicidade para neuróticos"

 

Este é, de longe, a melhor tirada do livro. 

Ansiosa-Mente

   

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Eu gostava, sinceramente, de ser aquele tipo de pessoa que passa pela vida calmamente, que absorve cada momento e que se consegue desligar de tudo o resto e simplesmente disfrutar. Gostava mesmo, mesmo, de ser capaz de me sentar a, simplesmente, observar, sem me preocupar com horas e com tudo o que fiz até aí e o que ainda tenho para fazer. Gostava de ser, por dentro, que é onde conta e onde faz mossa, tão calma e pacífica como aparentemente sou por fora, nas palavras, nos gestos e nas acções. Gostava de conseguir abrandar o dentro para poupar o fora. Gostava de conseguir pôr em prática todas aquelas coisas bonitas e fofas e óptimas que eu tão convincentemente vendo aos outros. 

   Agora corrijo: eu gostava de voltar a ser a aquele tipo de pessoa capaz de se sentar a, simplesmente, observar. Sim. Voltar a ser. Porque eu já o fui. Eu até já pratiquei yôga e meditação e todas essas técnicas de relaxamento com um prazer imenso, quando hoje não consigo sequer passar muito tempo a fazer os alongamentos no final dos treinos. Apesar de observar ser um dos meus maiores hobbies, uma forma de estar na vida e uma ferramenta de trabalho, desde há algum tempo que deixei de ser capaz de verdadeiramente o fazer, sem estar com a cabeça em mil sítios diferentes. E como por dentro não páro, há dias em que me é muito difícil, se não mesmo impossível, estar quieta. Porque a mente não pára, o corpo não pára. E isto irrita-me, enerva-me, incomóda-me, perturba-me e impulsiona ainda mais a minha actividade cerebral e corporal.

   Hoje é um desses dias. Um desses em que acordei de mau humor (não estranhem. é 4ª feira. As quartas sempre foram os meus dias de mau humor) a desejar que o dia passasse a correr para me puder esticar no sofá ou na cama a fazer o que realmente gosto, logo hoje que o dia prometia ser cheio e longo. O dia lá se arrastou, eu arrastei-me com ele (ok, o treino de ontem também contribuiu para este arrastanço), o fim do dia chegou e às 22h30 percebi que o único momento em que parei foi este em que me dediquei a escrever estas palavras. E apesar de saber que podia escrever isto amanhã e aproveitar enquanto o sono não chega para ler ou acabar de ver aquele filme, as minhas ideias turbilhavam de tal maneira (desde que estive parada no trânsito no regresso a casa, que foi me pus a pensar nestas coisas) que tinha mesmo de as passar para aqui. 

   Não me sinto melhor. Não me sinto mais leve. Mas também não sinto que não seja capaz de viver com esta minha ansiosa-mente. Sei que sou tão funcional como qualquer outra pessoa. Sei que não permito que isto me afecte. Sei que sei lidar com isto com maior ou menor calma. Sei que o meu psicossomático se ressente disto muito mais que o meu emocional (já dizia o outro, "quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga). Sei que gostava que fosse diferente. Mas também sei que há coisas que, sendo nossas, fazem-nos e são muito, muito difíceis de mudar. E sei, acima de tudo, que ainda sei como aproveitar a vida e as coisas boas que ela todos os dias nos oferece. Só as aproveito um pouquito depressa demais e não, não é tudo vontade de viver muito e mais. É mesmo defeito nos botões on, off e pause.

   Agora sim, vou ver se me estico a ler durante os cinco minutos que demoro a adormecer!

«Manual de Felicidade para Neuróticos»

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O escritor Gaspar Stau e o psiquiatra Amadeu Amaro são encarregados pela União Europeia de realizar um Manual de Felicidade para Neuróticos. Pelas suas conversas, viagens e encontros passam as mais variadas pessoas e histórias - de um velhote pessimista que pondera o suicídio a um grupo de psicoterapeutas que se faz passar por Fernando Pessoa & heterónimos - que inspiram ao estranho duo estratégias criativas de buscar a felicidade. Mas não poderá ela encontrar-se também em estudos científicos, na nostalgia proustiana de um publicitário ou mesmo num prato de carne de alguidar com migas de espargos?
Entre o neurótico Gaspar e o espalhafatoso Amadeu vai nascendo uma amizade singular, alimentada pelo fascínio que ambos sentem pelas coisas boas da vida. Uma missão que já não era fácil à partida torna-se uma aventura imprevisível quando Gaspar e Amadeu descobrem ser alvo de um complot de burocratas e decidem contra-atacar, recorrendo ao mais inesperado dos aliados.
Manual de Felicidade para Neuróticos é um romance que, em diferentes vozes e estilos, numa narrativa em que cabem Paris e Lisboa, prostitutas e filósofos, redenção e desespero, Oscar Wilde e cozido à portuguesa, procura o encanto, a melancolia e o humor que existem na busca da felicidade.

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   A primeira vez que vi este livro nem peguei nele. O título e o facto de ser escrito por um psicólogo levaram-me automáticamente a pensar que se tratava mesmo de um manual de felicidade em jeito de auto-ajuda. Depois fui lendo algumas coisas sobre o livro e resolvi pegar nele para descobrir que afinal era um livro que contava uma história. E fiquei curiosa. A semana passada comprei-o, li-o em menos de 7 dias, mas devo dizer que me desiludiu um pouco. Estava à espera de algo mais profundo, mais sério, mais sentido. Basicamente, o que temos é uma série de histórias sobre pessoas que encontraram a felicidade nas mais pequenas coisas, o que as torna grandes e imensuráveis. Mas, para mim, a maioria das histórias são demasiado banais para serem uma espécie de lição para encontrarmos a felicidade. É certo que só a encontraremos precisamente nessas coisas banais e do dia-a-dia, mas ainda assim, deixou um pouco a desejar. Tirando meia dúzia de "reflexões" pouco mais me disse. 

Daqueles momentos...

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(...) tive um daqueles momentos que pedem sem vergonha o adjectivo «perfeito». Senti, então, que a vida resolvia sempre todos os problemas que colocava. Que mais tarde ou mais cedo, por mais cicatrizes que acu,ulasse, estaria ensopado em Primavera a pensar que tinha valido a pena. Que tudo vale a pena. Que cada átomo está onde deve estar. Que o estar ali naquela altura era sinal de que tudo o que fora feito e dito, de que todos os falhanços, todos os acidentes, todo o desespero e solidão, todo o escuro percorrido, todo o fel que tivera de engolir, toda a imperfeição, faziam sentido. Que todos os desastres que me ocorreram foram, afinal, anjos disfarçados que me levaram até ali.

"Manual de Felicidade para Neuróticos", Nuno Amado

Aquele bocadinho que nunca cresce. Para sempre.

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   Há um lado de menininhos/as que devemos preservar para sempre.

   Há um bocadinho de nós que deve ser capaz de não crescer nunca.

  É o lado que nos faz sonhar, apesar de tudo; que nos dá esperança, apesar de tudo; que nos faz rir das maiores palermices; que nos justifica as birras e amuos; que nos delicia a comer um simples gelado; que nos faz continuar a ver desenhos animados; que nos faz delirar com toda a magia da Disneyland Paris ao ponto de querermos lá voltar todos os dias com todas as forças do nosso ser; que nos incita a pegar em brinquedos dos mais novos da família como se fossemos realmente brincar com eles; que nos faz acreditar que amanhã ainda é possível e poderá ser melhor; que nos faz chorar ao vermos filmes com animais fofos que sofrem; que nos faz recordar com saudades e sorrisos todos os momentos felizes que tivemos quando eramos efectivamente e cronologicamente crianças.

   Há um bocadinho de nós que deve ser capaz de não crescer nunca.

   E esse é um bocadinho que nos faz feliz. Que também nos faz feliz. Apesar de tudo.

 

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