No início do mês fomos a um concerto dos The Gift na Casa da Música (fantástico, como sempre, by the way!!!). Ao regressarmos ao carro fomos surpreendidos por um vidro partido. Toda a alegria e satisfação de uma noite bem passada a dois foi imediatamente esquecida e substituida pela surpresa, pelo desânimo e pela raiva, sobretudo por parte do meu Mr. Big, que lhe viu roubados o computador profissional, discos externos, pens e cadernos carregados de informação e trabalho. Ele insultou, disparatou, vociferou, amaldiçoou e centralizou toda a sua energia e pensamentos para aquele acontecimento negativo, sobrevalorizando-o, digo eu agora.
Saimos de casa animados, divertimo-nos imenso durante o concerto, acabamos a noite (ou começamos o dia seguinte!) na esquadra e a fazer telefonemas para linhas de atendimento de bancos e afins para cancelar acessos a contas e senhas. Regressamos a casa. Deitamo-nos na cama. Dormimos pouco. Acordamos e seguimos com a nossa vida, ele bem mais devagar. Hoje, menos de 1 mês depois, já não falamos disso.
Há uns dias centenas de pessoas foram assistir a um concerto da Ariana Grande na Arena de Manchester. Divertiram-se imenso, cantaram, dançaram, aproveitaram o melhor da vida. No final foram surpreendidos por um bombista suícida. Muitas pessoas não regressaram a casa nessa noite. Muitas pessoas acordaram no dia seguinte numa cama de hospital e ainda não puderam seguir com as suas vidas.
22 pessoas nunca mais regressarão às suas casas...
A vida pode ser mesmo isto: num momento estamos aos saltos e aos berros num concerto e no momento seguinte estamos de rastos ou nem sequer estamos. Como se não bastasse uma vida que consegue ser tão surpreendentemente fantástica de ser vivida como devastadora e cruel, ainda temos criaturas que vivem para matar, e da forma mais cruel possível. Nós perdemos um vidro e uma data de material importante. Eles perderam a vida. Posto assim, só temos que nos envergonhar por qualquer desanimo ou insatisfação com a vida que nos partiu um vidro. Podia ter sido tão pior.
Pensar no poderia ter sido, mais do que amaldiçoar o que foi, é um exercício que devemos ser capazes de fazer sempre que algo nos corre menos bem. É um daqueles exercícios que me obrigo a fazer sempre e no qual me sinto orgulhosamente bem treinada. Naquela noite do vidro partido, fartei-me de repetir para uma pessoa que eu sei que não me ouvia, "deixa para lá, podia ter sido pior, estamos aqui, estamos bem, os nossos estão bem, deixa para lá, já passou...". Provavelmente ele já não me podia ouvir, mas a realidade era aquela! Podia realmente ter sido pior. Podia ter sido pior. É isto que temos de ser capazes de pensar. Porque podiamos simplesmente já cá não estar para pensar no que podia ter sido...
A vida é tão curta, tão cheia de ratoeiras, tão cheia de provações e gente má, para quê tornar tudo ainda mais pesado? Estamos cá para viver, não para atirar as mãos ao céu e lamentar. Estamos cá para viver. Enquanto nos deixarem.
(Que todas as vítimas da maldade humana possam um dia encontrar o descanso e a paz merecidas. E que quem por cá fica saiba viver uma vida que merece ser vivida.)