Histórias com gente dentro
A B. tem 7 anos e nunca teve uma boneca.
"Olha, tenho um uxo, dois uxos, tês uxos e um bebé". Tudo isto lhe foi recentemente dado e por isso não larga o dito bebé. Mas uma boneca nunca teve. Para mim, uma menina que nunca teve uma boneca na mão está a ser vitíma de um qualquer tipo de violência ou negligência.
A mãe da B., que foi mãe adolescente, resolveu ir para a Inglaterra na passada segunda-feira e não disse nada à família. Deixou a guarda da menina entregue à avó, levou a filha ao infantário e apanhou um avião, grávida de 6 meses, gravidez de risco, pai desconhecido. Não se despediu da filha, não explicou o que se ia passar, limitou-se a um "até logo", que na verdade significa "até qualquer dia, sei lá quando". A B., de 7 anos, soube por mim, uma perfeita desconhecida, que a mãe achou que o melhor era ir embora sem dar cavaco. Expliquei-lhe como pude e ela pareceu perceber que a mãe foi trabalhar para um sítio muito longe, tão longe que teve de ir de avião e agora precisa de ganhar muito muito dinheiro para poder vir no avião visitar a menina e trazer muitas prendinhas. E porque o dinheiro custa muito a ganhar vai estar muitos dias sem vir a casa...na verdade, ninguém sabe quantos dias, mas a B. continua a acreditar que a mamã vai voltar com o mano e muitas prendinhas.
Talvez, então, traga a boneca que a B., com 7 anos, nunca teve.
Apetece-me mudar isto.