A pessoa antes da profissão
A mistura de papéis é uma coisa com que tenho dificuldade em lidar. Se me querem ver realmente irritada, e acreditem que é difícil saltar-me a tampa, é ter alguém da minha rede social mais chegada (família e amigos) dizer-me algo do tipo "tu disseste/fizeste/pensas isto ou aquilo? Mas tu és psicóloga, como é possível?!?".
É verdade, sou psicóloga. Mas, guess what, atrás, à frente, antes e depois da psicóloga, há uma pessoa, que sou eu, enquanto pessoa mesmo, só pessoa, sem qualquer profissão ou obrigação imposta por essa profissão. É certo que eu acredito que a nossa profissão deve surgir de uma vocação, de uma propensão para determinada área, e que isso tem tudo a ver com a nossa personalidade, a nossa maneira de estar no mundo e ver o mundo, mas aquilo que nós somos está antes e para além de tudo isso. Sou psicóloga, sim. Mas assim que saio do trabalho gosto de tirar essa farda. Nunca totalmente, é certo, porque o olho clínico é muito forte (mas os anos vão-nos ensinando a desligá-lo), mas na minha vida, sou a filha, a neta, a sobrinha, a prima, a madrinha, a namorada, a amiga, a vizinha...a pessoa! Sou eu! Eu que decidi ser psicóloga quando a formação da minha personalidade atingiu aquele ponto que me permitiu conhecer-me e saber o que quero ser na vida.
Se há profissões que carregam um certo "ah ela é assim porque é isto", psicóloga/o é uma delas. Ainda me recordo de há alguns anos atrás ouvir recorrentemente o comentário "esta é fulaninha, mas cuidado que ela é psicóloga!" ou algo como "enquanto estamos a falar estas a analisar-me, não é?" (deste ainda não nos conseguimos livrar). Não, não é. Descansem que eu só uso o meu leitor de pensamentos e o meu scanner de transmissão de informação mental durante o horário de trabalho e nunca o trago para casa.
São atitudes que cansam. E é tão simples: não é a profissão que escolhemos que faz de nós isto ou aquilo. Nós é que fazemos a nossa profissão. Que será sempre isso: a nossa profissão, e não aquilo que somos!