Histórias com gente dentro (ou o sermos tudo na vida de alguém)
Se há coisa que o nosso projecto de voluntariado da instituição veio mostrar é que a solidão é provavelmente a maior doença dos nossos tempos e é uma doença que afecta um número assustador de pessoas que não têm ninguém e que se estende até nós que, diariamente, lidamos com a solidão dos outros, que passa a ser também um bocadinho nossa.
Quando temos de dizer coisas como "coma a sopa toda, porque agora só cá vimos dar-lhe de comer amanhã" ou "deixe pôr a fralda direitinha porque est tem de aguentar até amanhã" ou ainda "agora não abra a porta a ninguém, porque ja cá não vem mais ninguém que a senhora conheça", estamos, ainda que sem querer, a arrancar pedacinhos da nossa alma e a relembrar a alguém que está neste mundo invariavelmente só. Fazemo-lo inconscientemente, sim, mas estamos a materializar em palavras um sofrimento incomensurável, desumano e nunca completamente perceptível para nós que, egoista mas também humanamente, queremos "despachar o serviço a horas" para podermos finalmente regressar aos nossos lares ou onde quer que seja, pois sabemos que, seja a que hora for, temos alguém à nossa espera.
Nós temos alguém à nossa espera. Eles esperam por nós a cada minuto que passa, pois sabem que aquela porta só se abre 3 ou 4 vezes ao dia, se tanto, para nos deixar entrar e, ainda que com tempo contado, somos nós e apenas nós que lhes preenchemos os dias. E são eles, com a sua solidão, que nos preenchem o coração e alma com aquelas coisas da realidade que nos fazem crescer e nos tornam...humanos...