Provavelmente a maior e mais estúpida dissertação sobre viajar de avião que alguma vez leram
Esta semana estou em contagem descrescente para as férias. Este ano serão 10 dias no sul do nosso magnífico Algarve e conto com a colaboração do S. Pedro para nos proporcionar verdadeiros dias de verão, com sol, calor, praia, piscina, diversão e descanso.
Mas se eu gosto de "qualquer tipo de férias", nenhumas me sabem tanto a férias como as que implicam enfiar-me num avião e deixar o meu país. Todos os anos no verão isso acontece e este ano, pelo menos para já, não há avião ao barulho nas nossas férias e isso deixa-me...saudades e um rastinho de pena.
Eu gosto de aeroportos, sempre gostei. Gosto de aeroportos porque gosto daquele espírito de partida e chegada que por lá se respira. E é por isso que eu também gosto de todos os rituais de partir e chegar: desde o fazer a mala sempre com o pensamento no peso máximo permitido (e sim, eu vou sempre no limite), ao ser deixada no aeroporto e entrar pelas portas giratórias a empurrar a minha mala (eu sou das que nunca pega nos carrinhos), de olhar imediatamente para os painéis e procurar o meu voo e o balcão de check-in; de estar na fila para o check-in e analisar uma a uma cada pessoa que lá está, imaginando vidas e o clássico "será que vamos para o mesmo hotel?"; de estremecer de cada vez que me pesam a mala e perceber que "ufa, voltei a safar-me!"; de ouvir o "aqui tem os seus bilhetes, boa viagem" e descer de imediato para o local dos embarques, com a tradicional passagem pelos "pi-pi-pis" e mais um "ufa, não me esvaziaram a carteira"; de me passear pelas lojas do aeroporto (e nisto o aeroporto do Porto é muito pobrezinho) para tentar diminuir a ansiedade causada pelo aproximar da hora de entrar no avião - sim, porque eu adoro voar, mas nos últimos anos ganhei uma ansiedade inexplicável a isto; gosto de chegar cedo à porta de embarque e olhar o bicho que me levará ao céu, me depositará num local de descanso e me trará de volta a casa e aos meus - e claro! tiro-lhe uma fotografia!; de ouvir a chamada para o embarque e ver todo o bom português a correr para a fila como se não houvesse espaço e lugar marcado para todos nós. E gosto de entrar no avião, sempre com um sorriso rasgado dos assistentes de bordo, onde a atmosfera é diferente e há uma espécie de silêncio de preocupação e excitação à mistura com ansiedade que é comum a todos nós. Não presto atenção às instruções de segurança, porque quero sempre acreditar que nunca precisarei delas, mas gosto de ver o avião posicionar-se para descolar. Não gosto de descolar - é talvez o momento de maior tensão para mim; fico sempre com a estranha sensação de que vou desmaiar e a consciência de que estou a deixar o chão, que é o lugar dos seres humanos. Uma vez lá em cima, sou das que gosta de espreitar pela janela e "olha isto, olha aquilo, estamos a passar aqui e acolá". Gosto de ler durante a viagem. E beber chá preto. Não gosto de ir ao wc, mas nunca aguento uma viagem sem o fazer - não me sinto bem fechada naquele cubículo, tenho sempre medo que algo aconteça ao avião enquanto lá estou e o barulho do autoclismo assusta-me. E depois vem a melhor parte da viagem: aterrar! Gosto de aterrar! Gosto de sentir o bicho reduzir a velocidade enquanto perde altitude e se aproxima do aeroporto e adoro senti-lo tocar com as rodas no chão e toda a pressão da travagem - curiosamente, nunca tive medo que o piloto perdesse o controlo na aterragem ou não fosse capaz de travar a tempo. Sempre que ouço "Srs. passageiros, estamos a aproximar-nos do aeroporto X", respiro de alívio, apesar de saber que a aterragem é igualmente perigosa. Gosto de sair do avião e sentir o cheiro terra em que aterramos, gosto de olhar o aeroporto, de conhecê-lo e caminhar para a recolha das malas, com mais uma passagem obrigatória pelo WC. Gosto de procurar os representantes da agência por que viajamos e o autocarro que nos levará ao hotel, com uma selecção mais criteriosa das caras que nos acompanharão nos próximos dias. Daí para a frente é um novo capítulo, mais ou menos prolongado, até que chega ao dia de regressar ao aeroporto e rever as caras que regressam a casa connosco, normalmente mais morenas, mais excitadas e cheias de histórias para contar e partilhar com desconhecidos que estiveram no mesmo hotel ou em outros, enquanto se aguarda novamente pelo check-in, desta vez tristes com o fim que se aproxima, mas ao mesmo tempo satisfeitos por voltarmos ao que é nosso. É nesta altura que se ouvem os habituais telefonemas para os familiares "sim, já estou no aeroporto, chegamos às x horas se não atrasar" e na viagem de regresso, os sons dentro do avião são sempre diferentes. Há um silêncio maior, que traduz não só o espírito do "foi bom mas acabou-se" mas também uma espécie de recolhimento pessoal e interior no qual pensamos inevitavelmente que estamos a regressar a casa, aos nossos, às rotinas, aos problemas, aos horários, às obrigações, às roupas pesadas e dias compridos e que a vida, ao contrário do que Hemmingway pensava e escrevia, não é uma festa e que é por isso mesmo, porque as férias são um momento limitado e definido, que elas podem ser tão especiais. E também é por isso que eu gosto de regressar ao meu aeroporto, sentir novamente a adrenalina da aterragem, cheirar a minha terra, pegar na minha mala e sair para descobrir que há sempre alguém à nossa espera do outro lado das portas automáticas e uma vida que aguarda ser retomada assim que saímos do aeroporto e viajamos, agora sim, em direcção a nós e à nossa casa.
Boas férias!