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1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

Envelhecendo

foto retirada da net

Envelhecer é andar de costas?

Sim. Caminhas na direcção contrária à daquilo que olhas. Andas para a frente e só sonhas para trás. 

Sonhar para trás mata. Há que ser criança. Há que olhar para uma ruga como se olha para um Action Man ou para uma Barbie. Tirá-la da caixa, ficar fascinada por ela, explorá-la, perceber que é apenas pele dobrada: fascinante pele dobrada. Aprender a envelhecer é aprender a brincar. Ser velho é aprender tudo outra vez. O mundo mudou quando tu mudaste. O mundo envelheceu quando tu envelheceste. O que antes era uma banalidade é agora uma impossibilidade. Queres jogar futebol e não consegues, queres dançar toda a noite e não consegues. E a tua vida é muitas horas do teu dia isso: queres e não consegues. O mundo mudou para ti. Tens de aprender tudo de novo. O que fazer, como fazer. Tens de te inventar para não seres dizimado. Não há momento mais triste do que aquele em que desejas algo e o corpo te impede de teres algo.

Pedro Chagas Freitas, "Prometo Falhar"

Estou velho

Não resisti mais. Ela sentiu isso, viu os meus olhos húmidos de lágrimas e só então deve ter descoberto que eu já não era o que fui e sustentei-lhe o olhar com uma coragem de que nunca me julguei capaz. Estou velho disse-lhe. Já estamos, suspirou ela. O que se passa é que não o sentimos por dentro, mas por fora toda a gente vê.

Gabriel García Márquez, "Memória das minhas putas tristes"

Envelhecer também é isto


Desde então comecei a medir a vida não por anos mas por décadas. A dos cinquenta tinha sido decisiva porque tomei consciência de que quase toda a gente era mais nova do que eu. A dos sessenta foi a mais intensa pela suspeita de que já não tinha tempo para me equivocar. A dos setenta foi terrível por uma certa possibilidade de que fosse a última. Não obstante, quando acordei vivo na primeira manhã... dos meus noventa anos na cama feliz com Delgadina, atravessou-me a ideia complacente de que a vida não fosse algo que corre como o rio revolto de Heraclito, mas sim uma ocasião única de dar a volta na grelha e continuar a assar do outro lado durante mais noventa anos.

Gabriel Garcia Márquez, “Memória das minhas putas tristes”,

A solidão de quem cuida

Tememos a solidão porque esta nos faz sentir vulneráveis, a não ser que sejamos pessoas com uma grande capacidade resolutiva interior, com uma grande capacidade para sentir a unidade que integramos. Porque motivo nos faz a solidão sofrer? Porque o ser humano não nasceu para estar sozinho. O ser humano é em função das suas relações. A sua existência não é uma existência solitária, pelo que, para a cuidadora de alguém que padece de Alzheimer, imaginar o futuro no qual, possivelmente, possa vir a ficar sozinha, sem a possibilidade de partilhar a sua vida com alguém e de continuar a relacionar-se com essa pessoa que ama, provoca inevitavelmente medo. A cuidadora vive dia-a-dia o luto vivo da doença, e a solidão, para ela, não é um mero conceito. É uma realidade próxima que se manifesta a cada momento no seu companheiro, pai ou mãe, cujas capacidades vitais deixaram de ser as de antes, que se foram diluindo com o tempo.

"Viver com Alzheimer", Dr. José Luis Molinuevo

Obrigado!

   Quantas vezes não nos esquecemos de dizer "obrigado"? Mas aqueles "obrigados" verdadeiros e fortes, aqueles que agradecem por acções, gestos, palavras, momentos, o que quer que seja que, em algum momento da nossa vida, fez toda a diferença... Com o ritmo alucinante a que os dias correm e a tendência para estarmos todos cada vez mais distantes e frios nas relações humanas, "obrigado" começa a ser tão raro como um sorriso.

   Os CTT estão a convidar os portugueses a escreverem mensagens de “obrigado” que serão transformadas em cartas físicas pelos Correios e enviadas aos seus destinatários. Eu achei esta ideia muito gira quando a ouvi na rádio e de imediato criei mentalmente uma actividade a desenvolver com os meus idosos, que vai passar precisamente por os ajudar a dizer "obrigado" a alguém que fez ou faz parte da sua vida. Vamos chamar a isto "Carta de Gratidão" (quem conhece o programa de intervenção com pessoas idosas "PositivIDADE" já ouviu falar disto) e o que os vou incentivar a fazerem, depois de uma breve sensibilização e discussão da importância do "obrigado" na nossa vidaem grupo, é a escreverem (ou ditarem, para aqueles que não são capazes de ofazerem sozinhos) uma carta a dizerem "obrigado" a alguém. Os CTT transformam cartas digitais em cartas de papel e caneta, eu transformarei palavras orais em palavras escritas. O objectivo final, para além da consciencialização da importância do obrigado, será o de fazer chegar essas palavras aos seus destinatários, se possível, num encontro entre as duas partes.

   A começar ainda este mês!

 

Histórias com gente dentro

   Já vos falei aqui do Sr. A., um dos nossos idosos mais queridos e uma das pessoas com quem mais gosto de conversar. O que eu ainda não vos contei acerca do Sr. A., é que, nos seus 95 anos fabulosos, dispensou a empregada que a filha teimava em ter lá em casa duas vezes por semana, e assumiu o próprio a total gestão da sua casa, incluíndo a limpeza completa, profunda e diária da mesma. Acrescenta ele que, não só está perfeitamente capaz de fazer todas as tarefas domésticas, como as mesmas lhe permitem fazer ginástica e estimular os movimentos (ai se nós pensassemos assim nos dias de limpeza era tão bom!).

   E que casa impecável ele tem (confesso que sempre julguei que era uma empregada que a limpava)! No dia em que descobri isto - e apesar de o conhecer há 3 anos, a cada visita descubro algo novo sobre o Sr. A. - ofereceu-me uma irrepreensível lição de como manter uma casa impecavelmente asseada, perfumada e sem qualquer sinal de pó, mesmo nos locais onde até eu o deixaria escapar - e sim, eu fui comprovar a sua ausência.

   Perante esta revelação, cada vez mais compreendo as suas palavras de revolta contra "aqueles velhos que passam os dias afundados numa cadeira nos centros de dia ou em casa". Quem me derá que o caso do Sr. A. não fosse uma excepção à regra e que mais dos meus idosos pensassem (e se mexessem) assim.

   Quando for grande quer ser assim!

“Um comprimido que não se vende na farmácia – o afecto."

Para quem, como eu, tem a possibilidade de fazer diariamente um trabalho semelhante a este, que é tão, mas tão, doloroso mas enriquecedor, este artigo fará todo o sentido:

 

«Está com 73 anos. Só com duas muletas consegue andar de um lado para o outro. “Enquanto eu puder, entretenho-me com ele.” Está confinado à casa há uma meia dúzia de anos. A mulher dorme na cama ao lado. De três em três horas, acorda, mexe-o. Já nem precisa de despertador.

(...)

A ouvi-la está um par de enfermeiros do Magalhães Lemos, o hospital psiquiátrico da região norte. Integram a equipa de apoio domiciliário encarregada de visitar uns 400 doentes que já não conseguem vir ao serviço ou que se recusam a fazê-lo. De segunda a sexta saem dois carros, cada um com dois técnicos: dois enfermeiros, um enfermeiro e um assistente social ou um enfermeiro e um psiquiatra.

(...)

Sobra-lhes empatia. Não lhes compete pôr sondas, trocar pensos, dar banhos. Isso é tarefa dos cuidados primários. Estão incumbidos de ensinar quem cuida a cuidar e a cuidar-se, não vá o stress, a ansiedade, o desgaste levar à depressão ou ao colapso, gerar negligência, mau trato ou abandono.

(...)

O cuidador faz parte do plano terapêutico. Assume-se que sem ele nada se pode fazer. É chamado a uma consulta específica. A sós, num pequeno gabinete, um enfermeiro explica-lhe o que é a doença, como progride, como lidar com ela.

Pequenos passos podem evitar grandes stresses. Tirar os tapetes da casa, trocar os chinelos pelas pantufas, fechar bem as embalagens de detergente, exemplificara a psiquiatra Rosa Encarnação. A visita domiciliária reforça essas lições e acrescenta outras, conforme a doença evolui. Não gosta de água? Talvez goste de gelatina. Comer um prato de gelatina é quase como beber um copo de água. A gelatina tem proteínas. Se as proteínas não estiverem repostas, vai ferir-se mais.

(...)

Não é por acaso que a equipa de apoio domiciliário é multidisciplinar, elucidara Rosa Encarnação. É preciso olhar para várias áreas, porque estes doentes já não se servem das palavras, exprimem-se através de alterações do sono, agitação, agressividade e isso tem de ser compreendido.  

(...)

Há muitas famílias desavindas e, no meio delas, idosos incapazes de se amanharem sozinhos. A equipa do Magalhães Lemos, por vezes, assume o papel de árbitro. Uns queixam-se: “A minha irmã não faz nada, fica tudo para mim.” E a equipa tem de chamar a outra parte, de lembrar que “seria bom partilhar” tarefas.

Acontece, no princípio, alguém até querer assumir a empreitada por inteiro. “A pessoa não está a ver o filme todo”, nota Rosa Encarnação. A sobrecarga pode ser esmagadora. “Temos de dar tempo às pessoas para perceberem que não aguentam. Para ficarem bem consigo, algumas têm de tentar.”»

 

O artigo completo aqui: http://www.publico.pt/n1618424

Porque ainda temos muito a aprender a respeito da velhice

   «A tradição confuciana tem um papel central no modo como os chineses encaram a velhice e as pessoas idosas. Baseada no respeito pelos ascendentes e na piedade filial, esta filosofia considera as pessoas idosas como modelos éticos e morais que dever ser honrados e seguidos (...) Foram introduzidas medidas políticas importantes, como a generalização de uma reforma por velhice e a criação de instituições de apoio a pessoas idosas necessitadas. No entanto, o papel da famíla permanece fulcral, já que a maioria das pessoas idosas continuou a habitar em casas com mais de uma geração, na companhia dos filhos e netos. Neste tipo de organização social, as pessoas idosas desempenham um papel activo, já que ajudam na organização da casa e tomam conta dos netos enquanto os pais estão a trabalhar. Em situações muito excepcionais em que não habitam com as suas famílias, os mais velhos residem em pequenas instituições e desempenham também papéis muito activos nas comunidades, gerindo pequenos negócios, como, por exemplo, o transporte para a escola de crianças, filhas de pais trabalhadores, serviços de lavandaria ou distribuição de leite na comunidade. Esta participação activa das pessoas idosas na comunidade torna-as, não um fardo para a sociendade, mas sim uma parte essencial e integrante da economia e da vida social

Discriminação na Terceira Idade, Sibila Marques 

Discriminação da terceira idade

«Up, da Pixar, ilustra muito bem o contexto em que vivemos actualmente. O preconceito contra as pessoas idosas prevalece de forma bastante flagrante nas nossas sociedades e surge diariamente, até quando pensamos nos heróis das histórias dos filmes de animação. A persistência da Disney Pixar em abordar este assunto é de louvar e, pela sua influência, pode representar um contributo importante para chamar a atenção para este problema social e para o combate contra este tipo de exclusão que nos afecta ou afectará a todos um dia. Além de representar um atentado contra direitos humanos fundamentais, este preconceito contra as pessoas idosas comporta ainda pesados custos económicos. As nossas sociedades "grisalhas", com um número cada vez maior de pessoas idosas e cada vez menor de pessoas jovens, exigem que as pessoas trabalhem até mais tarde e que permaneçam saudáveis e activas por mais tempo. Estas exigências não são compatíveis com visões mais restritas do envelhecimento em persistem em evitar pensar nas potencialidades de pessoas como Carl Frederiksen, que aos 78 anos demonstra uma vitalidade capaz de percorrer o mundo. O êxito de bilheteira do Up é um bom indicador de que, embora este assunto seja ainda pouco abordado, as nossas sociedades estão permeáveis à mudança e podem ser influenciadas e tornar-se menos preconceituosas a longo prazo.»

"Discriminação da Terceira Idade", Sibila Marques

 

Institucionalização: Para um final feliz

   O internamento em lar de 3ª idade é uma mudança que exige esforço de adaptação e aceitação. Essa transição representa um impacto causado pela perda de referências e do sentimento de pertença, o que tem repercussões no estado emocional, mental, cognitivo e na saúde de quem vive num lar. A partir da admissão, a pessoa perde a possibilidade de administrar o seu tempo, o seu espaço, as suas decisões e relações. O seu querer é o querer da instituição. A vontade individual fica submetida à vontade e às decisões administrativas da instituição e a sua vida limita-se, muitas das vezes, a uma sucessão de dias prostrado num sofá.
   Esta é a ideia geral daquilo que é a vida num lar de terceira idade. Importa mudar e pôr termo a estas premissas.
   A institucionalização de idosos não tem, nem deve continuar a ser encarada como uma espera dolorosa pelo final. Há que continuar a promover a saúde dos idosos, encarando-a sempre como “um completo estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas como ausência de doença” (OMS). Cabe-nos a nós, psicólogos e neuropsicólogos, juntamente com uma equipa multidisciplinar, contribuir para a mudança de mentalidades e realidades. Importa sensibilizar os responsáveis pelos lares para a importância da autonomia, estimulação e mobilização do idoso institucionalizado. Importa mudar a mentalidade da população que “atira” os seus velhos para a solidão. E, acima de tudo, importa motivar os nossos idosos, ensinando-lhes a viver a sua velhice de uma forma saudável e activa, longe da passividade de quem aguarda o final dos dias. Para isso, há que continuar a estudar esta população, desenvolvendo mais e melhores estudos que permitam afirmar, com cada vez mais certezas, que a institucionalização de idosos permite um final feliz.