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1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

É o mundo que se deixa ver

 

  «Nós não esperamos. Esperam-nos coisas e pessoas; novidade e aventuras. A morte espera por nós. Nós sabemos que ela lá está mas é uma perda de tempo passar a vida à espera dela.

   Estando atentos e abertos, raparamos mais nas peqeunas maravilhas e desgraças que nos rodeiam: as caras das pessoas, o que dizem, como reagem, os insectos, os passarinhos, os restos de azulejos, as plantas que conseguem nascer nas falhas de cimento.

   Quando nos tornamos espectadores, levanta-se um espectáculo à nossa frente. Em vez de intervir, de apressar, de tentar resolver, é melhor deixarmo-nos ir com a corrente.

   As coisas importantes são aquelas de que vamos ter saudades quando deixarmos de as ter. As mais simples são as mais importantes: poder andar, poder ler o dia inteiro, ter companhia, haver quem goste de nós.

   (...)

   Em vez de nos queixarmos do que vemos e repetrimos o que preferiamos ver, podemos usar os olhos para olhar, para ver o muito ou o pouco que ali está. É o mundo que se deixa ver. Está à mostra. Não tem escolha. A escolha é nossa.

   (...)

   O luxo é estar cá e passar-se tudo como se não existíssemos. É possível tentar alterar o mundo e deixar uma pequena marca, que pouco durará. Mas gasta muita energia. Vivemos num mundo onde há muita coisa que já está feita. O que falta fazer, comparando com o que já se fez, é importante mas pouco.»

"Como é linda a puta da vida", MEC 

Coisas nossas

   «Ou imagine que vem uma equipa de peritos a sua casa e que só deixam ficar as coisas que têm impressões digitais suas com um máximo de um ano de idade. Tudo o que não tivesse tocado há mais de um ano seria levado para vender na feira da ladra ou no eBay ou dar a quem precisasse.

   A mim custa-me imaginar o que aconteceria à minha biblioteca se levassem todos os livros que não abro há mais de um ano. Parece-me que posso vir a precisar de todos, várias vezes. Gosto que estejam aqui, de olhar para eles.»

"Como é linda a puta da vida", MEC

 

Lição de gato

«O que espanta num gato é a maneira como combina a neurose, a desconfiança e o medo - para não falar numa ausência total de sentido de humor - com o talento para procurar e apreciar o conforto e, sobretudo, a capacidade para... dormir 20 em cada 24 horas, sem a ajuda de benzodiazepinas.

 O gato é neurótico mas brinca. Brinca com seriedade, mas brinca. Tem acessos, muito curtos, de loucura, em que se embandeira em saltinhos oblíquos. Mas, acima de tudo, descobriu o sistema binário da existência.

 Que é: dormir faz fome. Comer faz sono. Acordo porque tenho fome. Adormeço porque comi. Nos intervalos, faço as necessidades. Podem ser secundárias (cagar, mijar, amar, brincar, ansiar), mas são verdadeiramente necessárias.

  Se não tem sono, é porque tem fome. Se não tem fome, é porque tem sono. Se não tem uma coisa ou outra, é porque tem de fazer as necessidades.

  É ou não uma lição de vida?

  Sim, é.»

 

"Como é linda a puta da vida", Miguel Esteves Cardoso

Há tantas coisas para ver...

«Quanto tempo, por exemplo, passamos a olhar para os semáforos, à espera que fique verde? Ao fim de uma vida, deve ser um Verão inteiro. Porque é que não damos valor à paragem e ao sítio onde estamos, como se estivessemos de férias, num miradouro peculiar?

   Há tantas coisas para ver. É um espectáculo de pormenores e observações. Nenhum dia é igual ao anterior; nenhum momento até.

   (...)

   Não há tempo morto. Nem há falta de tempo. Há o tempo e a ausência de tempo. O tempo é a vida. A ausência de tempo é a morte.

   Nós temos um intervalo entre nascer e morrer. Só um. So um intervalo. Sò um tempo. Só uma vida.»

Como é linda a puta da vida, MEC