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1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

1001 pequenos nadas...

...que são tudo, ou apenas esboços da essência de uma vida entre as gentes e as coisas, captados pelo olhar e pela mente livre, curiosa e contemplativa. Por tudo isto e tudo o resto: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

"Aqueles que mais razão têm para chorar são os que não choram nunca" *

   O meu trabalho diário com idosos (e seus familiares) oferece-me, como já várias vezes aqui referi, imensas oportunidades de aprendizagem e, acima de tudo, inestimáveis lições de vida. Costumo dizer que eu lido com diversas facetas do sofrimento humano, mais ou menos pesado, e que é precisamente desse sofrimento que me alimento, já que, caso as pessoas não experimentassem um qualquer tipo do sofrimento, não precisavam de mim. Ora nisto do sofrimento, cada um vivencia-o à sua maneira e com uma intensidade mais ou menos adaptada à realidade: há os que por qualquer desvio à normalidade sofrem como se do fim do mundo se tratasse, há os que apresentam uma perfeita sintonia situação problema - sofrimento sentido e há os que, carregando em si uma dor maior que o peso do mundo são verdadeiras forças da natureza e exímios exemplos do optimismo e do "esta é vida é para ser vivida e não sofrida". Acima de tudo, é deste sofrimento desvalorizado - não no sentido do ignorado ou negado, mas antes no sentido de "é para mim e eu vou aguentar isto até ao fim, mas continuar a viver a minha vida -que eu me alimento e cresço. É com estas pessoas que eu aprendo a encarar a vida com a perspectiva que ela merece e é com esta força de viver e contrariar o que de mau nos acontece que eu aprendi a valorizar o que merece verdadeiramente ser valorizado, relativizando pequenas coisas, ninharias, nadas que não são nada e que só nos acinzentam os dias, que merecem sempre muito mais cor que o cinzento. E foi com aqueles que mais razões têm para chorar mas que nunca choram que eu aprendi a lidar positivamente com o que de verdadeiramente mau tem a vida, com as situações realmente complicadas que me tocam diretamente ou aos meus. É quase um "always look to the bright side of life" que cada vez mais se torna a única forma de passar e estar neste mundo com um sorriso na cara, apesar de todas as adversidades e contratempos. É que bem vistas as coisas, aquele lema do "coisa boa atrai coisa boa" é vitamina para a nossa alma e olhar a vida com um olhar positivo torna tudo mais leve e ultrapassável.

 

*Mia Couto, "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra"

A (in)utilidade do sofrimento

Megan Fox

   O sofrimento é intrínseco à condição humana. Uns de forma mais intensa do que outros, todos acabam por o vivenciar. O sofrimento tem múltiplas formas de expressão e múltiplas fontes. É sempre subjectivo, na causa e na(s) consequência(s). É humanamente necessário ao crescimento pessoal, à mudança, à aprendizagem, porque representa um período de crise, de dor, de desespero, de reflexão e tudo o que nos faça pensar faz-nos mudar. Preferencialmente, para melhor. Mas o sofrimento é também extremamente inspirador. Todos os grandes feitos artísticos têm por base momentos de profundo sofrimento. Fingido ou real. As músicas que saltam para os tops são aquelas que cantam amores perdidos, ilusões desfeitas, perdas insubstituíveis. Os best sellers literários são aqueles que contam amores impossíveis, sofridos, mas com finais sempre felizes e de sonho. Os filmes que enchem salas de cinema são aqueles que nos comovem até à pontinha dos pés e que fazem chorar as pedras da calçada. O ballet dança sofrimento a cada passo. A ópera grita sofrimento (mas que raio percebes tu de ballet e ópera?). As reportagens jornalísticas que ganham prémios retratam histórias de sofrimento, com ou sem finais felizes. E é o sofrimento que inspira tudo isto, que vende tudo isto e que nos prende a tudo isto. Vivemos aquele sofrimento como se fosse o nosso e comparamos sofrimentos, ora positiva, ora negativamente: "Como posso queixar-me da minha vida perante tudo isto?" ou então "Isto comparado com a minha vida não é nada".   

    Perante tudo isto, como podemos ignorar o sofrimento? Como podemos negá-lo. Está na nossa vida desde sempre e para sempre. Vivido ou sentido. Visto, lido, ouvido...está em nós. E enche-nos o ego. A alma. Inspira-nos a sentir e a criar. A criar sentimentos, emoções e vida. Para nós e para os outros. Promove crescimento e mudança. Em nós e nos outros. É útil. Para nós e para os outros.

Dor e Sofrimento

   Diz-se indiferentemente «dói-me» e «sofro». (...)

   A dor é consequência de um dano físico do corpo. Obedece às leis da fisiologia e manifesta-se por queixas, por vezes gritos, e necessita de um tratamento sistemático com medicamentos. A dor é uma experiência individual, solitária, da qual é necessário identificar a origem para se poder tratar a causa. Toda a dor física acarreta naquele que a suporta um sofrimento psicológico secundário à forma como ela é vivida.

   O sofrimento existe sem dor física e faz parte da condição humana. Este sofrimento psíquico ligado à existência não precisa de medicamentos. Ele exige expressar-se por palavras, ser escutado e entendido. Ele precisa de ser partilhado com aquele que o compreende e que assim o poderá aliviar.

   A vida faz sofrer. E esse sofrimento não pode ser aliviado com químicos. É necessário permitir-lhe que se exprima e proporcionar àquele que o suporta a ajuda eficaz da relação humana disponível, calorosa e compassiva. Se a dor física é vivida na solidão e só pode ser aliviada com medicamentos, o sofrimento psíquico pode ser partilhado pela compreensão e pela escuta voluntária. Quando a partilha é impossível, entramos no domínio da patologia e nos limites do psicoticismo.

   As dores físicas obedecem a regras quase mecânicas. O sofrimento psíquico obedece a mecanismos psicológicos. Faz parte da vida humana. Ele é a vida, testemunha dos nossos afectos em reacção aos acontecimentos dolorosos que atravessamos e não constitui uma patologia mental, mas uma experiência da qual é necessário tirar proveito.

 

Influências da leitura de "A força para curar", de Édouard Zarifian

Sofrimento em lista de espera

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

           Um homem é vítima de assalto, violência, tortura e tentativa de violação.  Sozinho não é capaz de seguir a sua vida depois desta experiência traumática. Desloca-se a uma instituição do Sistema Nacional de Saúde onde pede apoio e acompanhamento psicológico. A resposta: "Se esperar 6 meses pode ser que haja resposta ao seu pedido."

           E eu questiono-me como é que alguém, como é que algum técnico de saúde mental, como é que algum psicólogo, é capaz de dizer a um ser humano em sofrimento justificável "Espere 6 meses (e entretanto continue a sofrer, porque ouvimos dizer que isso nos torna mais fortes)"?